Autores: Volker Fitzner, sócio e líder global da indústria química da PwC Alemanha, Darrell McGraw, líder global de auditoria da indústria de energia, utilities e recursos da PwC Oriente Médio, Niloufar Molavi, sócia e líder global da indústria de óleo e gás da PwC EUA, Reid Morrison, líder global de consultoria da indústria de óleo e gás da PwC EUA, Benjamin Ribault, sócio da PwC França, Gavin Sanderson, sócio e líder global de consultoria da indústria de energia, utilities e recursos da PwC Reino Unido e Tom E. Smith, sócio da PwC EUA
Para: CEO
De: Conselho
Assunto: ESG
Você enfrenta inúmeros desafios para chegar ao fim da semana, do trimestre, do ano. Da covid-19 à escassez de mão de obra, de problemas na cadeia de suprimentos a grandes transtornos causados pela guerra. Sua energia e atenção – e a de seus subordinados diretos – estão devidamente concentradas no esforço de proteger nosso pessoal, atender às necessidades de nossos clientes e manter nossas luzes acesas – em alguns casos, literalmente.
Ao mesmo tempo, reconhecemos o papel importante que temos a desempenhar para ajudar você a lidar com um conjunto de questões que exigem a elaboração de uma estratégia de longo prazo. Porque, no longo prazo, você também deve se concentrar na segurança do abastecimento, no gerenciamento da transição energética e em entender onde é preciso investir para que sua organização se mantenha resiliente diante das próximas disrupções. A principal dessas disrupções está relacionada às crescentes demandas (e oportunidades) postas por questões ambientais, sociais e de governança (ESG). O movimento para descarbonizar os setores de energia, utilities e recursos naturais, que ganhou força desde as negociações sobre mudanças climáticas da COP26, adquiriu uma nova urgência. Há uma necessidade maior de se concentrar em armazenar energia, expandir a infraestrutura de energia transnacional e investir em energias renováveis, medidas de eficiência energética e infraestrutura de hidrogênio renovável.
Há uma tensão poderosa acontecendo aqui. O mandato típico do CEO de uma grande empresa de capital aberto é de cerca de cinco anos. Mas você está sendo solicitado a assumir compromissos que podem surtir pleno efeito apenas depois de 15, 20 ou 30 anos. Isso vai amarrar as ações e a estratégia de seus sucessores – e talvez dos sucessores deles. É aí que nós, o conselho de administração, podemos ajudá-lo. Sabemos que precisamos começar a planejar uma transformação completa, de longo prazo, para criar vantagens sustentáveis e agregar valor duradouro. Isso representa muito mais do que antecipar novas regulamentações e conformidades ou de responder à necessidade imediata de garantir a segurança do abastecimento no curto prazo. Trata-se de satisfazer às demandas de investidores, clientes, funcionários e da sociedade em geral para que o negócio que você administra esteja preparado para um futuro muito incerto.
Traçar um caminho para o Net Zero quando o mundo clama por energia mais segura e acessível talvez seja o desafio estratégico mais difícil que todas as organizações do nosso setor enfrentam hoje.
Apesar do aumento na demanda (e no preço) de petróleo bruto, produtos refinados, gás natural e energia, todas as empresas do setor sabem que a descarbonização está chegando. Muitos governos nos mercados em que operamos estão decretando limites cada vez mais rígidos para as emissões. Globalmente, mais de 130 países se comprometeram a alcançar o Net Zero até 2050 e as empresas que desejam estender sua licença para operar terão que fazer o mesmo. Mas apenas 22% das empresas que responderam à última CEO Survey da PwC se comprometeram a zerar suas emissões líquidas.
Para atravessarmos a atual crise de energia e nos preparamos para um futuro de baixas emissões, precisamos desenvolver já um plano para alcançar o Net Zero em nossas próprias operações. Um plano de descarbonização bem-sucedido requer etapas claras e viáveis. Até que ponto nosso cronograma é realista? Estamos preparados para analisar com nossos parceiros da cadeia de valor as emissões do escopo três, que em muitos casos têm o maior impacto global? Os investidores estão fazendo perguntas mais pontuais e detalhadas sobre todas as nossas emissões. Respondê-las com franqueza nos permitirá instaurar a confiança. Atualmente, há muitas suposições e não há dados estruturados suficientes para responder a todas as perguntas com confiança.
Muitas grandes empresas integradas de energia já começaram a empregar estratégias de baixo carbono, porque sabem que precisam agir rapidamente e têm recursos financeiros (reforçados pelos recentes aumentos de preços de petróleo e gás natural) e experiência em infraestrutura para se adaptar. Outras empresas de energia de médio porte, como a Ørsted, da Dinamarca, e a Neste, da Finlândia, reformularam ou estão reformulando inteiramente seus modelos de negócios em torno das energias renováveis.
Qualquer que seja a rota estratégica que você considere mais atraente, é preciso começar agora a planejar o ritmo e o rumo da transição de longo prazo.
Qual é a nossa principal força e como você pode usá-la a seu favor na transição energética?
Nos últimos 100 anos, nosso setor se baseou em ciência, engenharia e desenvolvimento de tecnologia verdadeiramente revolucionária. Esses pontos fortes nunca foram tão necessários como hoje. Mas é preciso incorporar nosso pessoal, produtos e tecnologia ao quadro geral da transição energética, em vez de fazer melhorias incrementais de curto prazo em usinas de energia, atividades de upstream ou operações de mineração.
O desenvolvimento de novos produtos e serviços com base na experiência tecnológica, científica e de engenharia de nossa empresa pode ajudar a determinar o ritmo da transição. No curto prazo, isso pode significar o desenvolvimento de um novo conjunto de produtos com emissões reduzidas e eficiência energética para apoiar outras empresas de energia, como a Baker Hughes fez. A empresa de serviços de petróleo está transformando seu próprio negócio para apoiar a transformação digital do setor de energia, empregando tecnologias como internet das coisas, análise de dados e inteligência artificial.
Ou pode significar a adoção do pensamento e das práticas da economia circular. Com a previsão de que a produção petroquímica responderá por quase metade do crescimento da demanda global de petróleo até 2050, muitas das maiores empresas químicas do mundo, como a Dow, SABIC e Chevron Phillips Chemical, estão correndo para se associar a startups de reciclagem. As empresas químicas mais inovadoras estão planejando a longo prazo, investindo em processos de bioplástico e se posicionando como players importantes na produção em larga escala de baterias de veículos elétricos ou hidrogênio verde. A BASF, por exemplo, prevê que sua receita com materiais de bateria chegará a mais de € 7 bilhões até 2030, acompanhando o crescimento da produção de veículos elétricos.
Os líderes do setor de utilities estão se concentrando na mobilidade, construindo infraestrutura de atendimento ao consumidor – como estações de carregamento de veículos elétricos –, ao mesmo tempo que inovam em torno de novos modelos de receita e investimentos – como produção de hidrogênio verde e equipamentos relacionados. No Reino Unido, por exemplo, a EDF Energy fez parceria com a Nissan para criar um serviço de carregamento V2G (do veículo para a rede) voltado para operadores de frotas de veículos elétricos.
A transição energética está derrubando as barreiras tradicionais que protegeram diferentes partes do setor de energia por tanto tempo. Agora é a hora de aproveitar a oportunidade e repensar o que o nosso negócio poderia ser, as necessidades de capital e os modelos de receita adequados e os parceiros em potencial com os quais você vai colaborar.
O desenvolvimento de novos produtos e serviços pode não ser suficiente para ajudar a impulsionar a transição energética no ritmo necessário. Qual é a sua estratégia de transações para reforçar nossa posição ESG?
Em 2021, os volumes e os valores das transações no setor de energia, utilities e recursos aumentaram em 8% e 67%, respectivamente, em relação ao ano anterior, de acordo com a PwC. Uma tendência clara que alavanca essa atividade é o crescimento de fusões e aquisições (M&A) relacionadas a ESG.
Um caminho possível é separar as atividades do negócio com emissões mais baixas daquelas com emissões mais altas e colocá-las empresas específicas, como a Ford anunciou que fará. Outros estão usando capital para diversificar suas unidades operacionais. A Total, a petrolífera que se rebatizou como TotalEnergies em 2021, adquiriu unidades eólicas e solares.
As parcerias também estão se tornando mais comuns. A BP investiu em uma joint venture, a Lightsource BP, para desenvolver fazendas solares em todo o mundo. A Occidental Petroleum fez parceria com a startup canadense Carbon Engineering para construir uma usina de captura e armazenamento de carbono que armazenará 500 mil toneladas de CO₂ por ano. Enquanto isso, a gigante de energia anglo-holandesa Shell está fazendo parceria com a empresa de energia alemã RWE para produzir e distribuir hidrogênio verde na Alemanha e no Reino Unido.
Outros setores de energia sabem que precisarão de parcerias para prosperar. As concessionárias terão de aumentar seu acesso a fontes de energia renováveis para manter o abastecimento. No setor químico, as empresas estão adquirindo parques eólicos e firmando parcerias para garantir o acesso ao suprimento de hidrogênio. Em 2021, a BASF concordou em comprar 49,5% do parque eólico offshore de 1,5 GW na Holanda planejado pela empresa sueca Vattenfall.
Enquanto você começa a repensar seu próprio negócio, os outros seguem o mesmo caminho.
Vários setores de nossa indústria operaram por muito tempo sem qualquer competição real – redes elétricas, empresas de transporte e indústria pesada antes dependiam quase inteiramente de combustíveis fósseis para suas necessidades energéticas – mas isso está mudando. Os elétrons e moléculas que alimentam nossos sistemas derivam cada vez mais de energias renováveis e hidrogênio, e a corrida para o Net Zero atrairá concorrentes de outros setores de energia e utilities, assim como novos participantes inovadores e rápidos.
Dado o potencial do hidrogênio verde, uma série de players está investindo no aproveitamento de energia sem emissões para produzir combustíveis industriais e para transporte. O Hydrogen Council, um organismo global que promove a indústria, já tem mais de 130 membros corporativos. As empresas de energia integradas bem capitalizadas estão migrando para o mercado de utilities. Gigantes em contato direto com o consumidor, como a Starbucks, estão buscando formas de aproveitar sua grande presença no varejo para se tornarem fornecedores de energia para veículos elétricos. Enquanto isso, empresas de tecnologia de energia oferecem novos serviços e equipamentos para fornecer recursos de captura e armazenamento de carbono para empresas de petróleo, gás e carvão.
As concessionárias também estão bem posicionadas para competir em novas áreas da economia descarbonizada. À medida que a pressão aumenta para eletrificar caminhões, carros, navios, bicicletas e sistemas de aquecimento, a experiência que as concessionárias têm em infraestrutura e atendimento ao cliente as coloca em uma posição potencialmente forte para construir relacionamentos com clientes existentes.
Os investidores estão exigindo ações urgentes em duas frentes: esperam ver bons retornos trimestrais, mas também exigem que os líderes estabeleçam planos de longo prazo, especialmente sobre ESG e a jornada rumo ao Net Zero. Em 2021, a formação da Glasgow Financial Alliance for Net Zero – um grupo de 450 empresas financeiras em 45 países responsáveis por ativos de mais de US$ 130 trilhões – evidenciou a atenção dada à descarbonização. Nesse cenário de mudança sistêmica, precisamos ter certeza de que estamos analisando o valor dos ativos da empresa pela mesma lente que os investidores.
A partir de agora, o custo de capital para aqueles que adotam métricas e padrões ESG será muito menor do que para os que não são proativos. Um estudo de 2020 da MSCI, uma empresa de análise financeira e classificação ESG, descobriu que, em um período de quatro anos, as empresas com pontuações ESG altas tiveram, em média, custos de capital mais baixos em comparação com aquelas com pontuações ESG ruins, tanto em países desenvolvidos quanto em mercados emergentes.
Não basta formular uma estratégia ampla. Você terá que mostrar que está avançando no cumprimento de metas agressivas e fornecer relatórios transparentes e completos. Cada vez mais, os investidores esperam ver suas métricas ESG não financeiras totalmente integradas em seus relatórios financeiros. Historicamente, os CEOs mantiveram a credibilidade com os investidores ao relatar lucros de forma confiável a cada trimestre. Agora, há diferentes expectativas em relação aos relatórios que precisam ser atendidas.
Como tudo no mundo do ESG, o cenário de relatórios está evoluindo e amadurecendo rapidamente. O International Sustainability Standards Board (ISSB) foi criado em 2021 para fornecer uma base global abrangente de padrões de divulgação de sustentabilidade de alta qualidade, em resposta às necessidades de informações dos investidores. Em março, dois dos mais proeminentes referenciais de relatórios ESG, a IFRS Foundation e a Global Reporting Initiative (GRI), concordaram em alinhar seus padrões de divulgação sobre sustentabilidade para o mercado de capitais.
Você sabe quais são as métricas relevantes e tem sistemas de relatórios adequados para elas?
Sabemos que você passa muito tempo pensando nas necessidades de seus clientes. Mas você pode dizer com certeza que sabe quais serão essas necessidades em cinco anos? Você está preparado não apenas para atender a essas necessidades futuras, mas também para moldá-las?
Os clientes certamente precisarão de energia para suas casas, o transporte e o dia a dia. Mas quanto dessa demanda passará de combustíveis fósseis refinados para eletricidade? Como eles vão querer acessar essa energia? Como eles vão querer pagar por isso? E você já pensou que poderá haver um mercado descentralizado onde eles estariam em posição de vender energia de volta para você?
Cinco anos atrás, poucos teriam previsto o enorme aumento na demanda do consumidor por veículos elétricos. Em 2021, as vendas globais de veículos elétricos cresceram 80%, estimuladas por mais de 40 países que se comprometeram a eliminar gradualmente o motor de combustão interna antes de 2050. A Toyota e a Volkswagen sozinhas vão investir US$ 170 bilhões em veículos elétricos nas próximas décadas. Menos ainda teriam previsto que uma cidade tão grande quanto Paris adotaria um plano para banir veículos motorizados não essenciais de seus bairros centrais – uma medida que provavelmente se repetirá em outros lugares, à medida que as áreas urbanas enfrentam questões relativas às mudanças climáticas e à qualidade de vida.
No passado, a infraestrutura geralmente precedia a adoção por parte do consumidor. O investimento das empresas petrolíferas em postos de gasolina lançou as bases para a rede de transporte automobilístico que conhecemos hoje. Cada vez mais, parece que a infraestrutura está seguindo atrás da demanda do consumidor e terá que correr para adiantar-se a ela. É por isso que empresas de energia como a BP se apressam para investir 1 bilhão de libras na expansão das redes de carregamento de veículos elétricos em todo o Reino Unido.
Condições macroeconômicas como a “Great Resignation” (ou, em tradução literal, a Grande Renúncia, como ficou mais conhecido em português o movimento voluntário de demissão em massa iniciado nos EUA, mas também visto no Brasil) e a preferência dos millennials por um local de trabalho alinhado a seus propósitos estão exercendo grande pressão sobre as empresas, quando elas buscam reter e atrair os talentos necessários para suas iniciativas estratégicas de longo prazo.
Alguns integrantes da força de trabalho – geralmente veteranos do período de boom da economia do carbono – sentem-se subestimados e costumam não ter motivação para abraçar a mudança fundamental que está ocorrendo em seu setor. Uma pesquisa recente revelou que quase metade dos profissionais de petróleo e gás espera deixar a indústria nos próximos cinco anos. Ao mesmo tempo, uma nova geração de talentos que poderia ter migrado para o setor de energia está optando por trabalhar para empresas de tecnologia, porque relutam em se associar a combustíveis fósseis.
Convencer uma força de trabalho experiente de que o futuro do negócio está além dos combustíveis fósseis será um desafio. Atrair os talentos mais brilhantes para participar de uma jornada rumo ao Net Zero, que exigirá grandes conhecimentos tecnológicos, científicos e de engenharia, não deve ser tão difícil. Você está desenvolvendo uma estratégia de mão de obra que vai além da retenção para entender as competências, as capacidades e a cultura que seu sucessor precisará ter para prosperar em dez anos?
Os sete temas ESG que identificamos acima terão um efeito profundo no destino de nossa organização nos próximos anos. Embora sua prioridade imediata seja abordar os muitos problemas atuais enfrentados pela empresa e pelo setor como um todo, também acreditamos que nossa organização pode tomar medidas concretas para se preparar para o futuro e estar em condições de transformar os desafios ESG em oportunidades. Nós, o conselho, estamos aqui para apoiá-lo nessa jornada.
Sócio e líder da Indústria de Energia e Serviços de Utilidade Pública, PwC Brasil
Tel: 4004 8000