Um terço das demissões registradas no Brasil em março de 2022 foram voluntárias. Mesmo em meio a um desemprego que atinge 12 milhões de brasileiros, os mais de 600 mil pedidos de desligamento são recorde para um único mês desde janeiro de 2020. O movimento começou no ano anterior e segue na esteira do que tem sido chamado nos Estados Unidos de “Great Resignation” (ou Grande Renúncia, na tradução literal que ficou mais conhecida).
Se há algo que os empregadores estão aprendendo com esse fenômeno é que precisam valorizar mais seus empregados. Muitas empresas, porém, correm o risco de fazer exatamente o contrário – seja por não prestarem atenção suficiente a pessoas qualificadas; por deixarem de apoiar profissionais que buscam realização e significado no trabalho; ou por perderem oportunidades de desenvolver a confiança que muitas vezes leva a resultados positivos nos níveis pessoal, profissional e até social.
Exploramos essas e outras questões na Pesquisa Global Hopes and Fears 2022, a terceira de uma série que começou em 2019. O poder que atualmente os profissionais têm sobre as organizações é o tema central desta edição do estudo, que se baseia nas respostas de mais de 52 mil trabalhadores em 44 países. Realizada em março de 2022, esta é uma das maiores pesquisas sobre as transformações da força de trabalho.
Os trabalhadores que se sentem fortalecidos por circunstâncias atuais – ou seja, aqueles com competências especializadas ou escassas – estão prontos para testar o mercado.
O engajamento e a intenção desses talentos de permanecer na empresa exigirá mais do que aumento de remuneração. As empresas precisam identificar o que mais é valorizado por eles, como por exemplo, desenvolvimento de habilidades e upskilling. Se fizermos um ranking dos países por gap de competências percebido pelos respondentes, o Brasil ocupa a quarta posição:
O trabalho gratificante e a autenticidade no trabalho também são importantes para os respondentes que estão considerando fazer uma mudança de emprego.
dos participantes brasileiros estão conversando sobre temas sociais sensíveis no ambiente de trabalho, em comparação com 85% no mundo.
Os trabalhadores querem mais apoio para incorporar questões ESG.
dos empregados dizem que a empresa os ajuda a reduzir o impacto ambiental de seu trabalho.
A pesquisa apontou também outro ponto interessante sobre o desenvolvimento de modelos de trabalho híbridos. Os líderes precisam considerar que:
dos empregados no Brasil e
no mundo não podem trabalhar remotamente
São pessoas que executam trabalhos essenciais e se dizem menos realizadas e capacitadas do que os participantes que podem trabalhar remotamente.
O que faz um trabalhador se sentir empoderado? Formação especializada é um fator. De acordo com a nossa pesquisa, 68% dos brasileiros dizem que seu trabalho requer treinamento especializado. No mundo são 49%. Esse grupo tende muito mais que outros participantes a afirmar que pediria um aumento ou promoção nos próximos 12 meses. A boa notícia é que os trabalhadores capacitados também tendem mais a recomendar sua empresa a outras pessoas.
No total, 29% dos entrevistados no mundo disseram que seu país carece de pessoas com as habilidades necessárias para realizar seu trabalho. Com 40%, o Brasil é o quarto país onde essa lacuna de competências é mais percebida, após Tailândia (55%), Índia (54%) e Kuwait (47%).
Entre os brasileiros, o percentual aumenta para 52% na indústria de tecnologia, mídia e telecomunicações (em comparação com 36% no mundo).
Os empregados que percebem suas competências como escassas (que concordam moderada ou fortemente com a afirmação “no meu país, faltam pessoas com as habilidades necessárias para realizar o meu tipo de trabalho”) apresentam maior probabilidade de:
Obs.: comparação com outros empregados em todo o mundo.
Para eliminar o gap de competências, as empresas investem na força de trabalho atual por meio de upskilling, com foco nos elementos que elas podem controlar mais facilmente, uma estratégia de resposta importante em períodos de incerteza. Em termos absolutos, porém, a parcela de empresas que adotam essas medidas ainda é baixa.
Além do upskilling e aumento de salário, a terceira maneira mais provável de lidar com a escassez de talentos é no apoio ao bem-estar físico e mental das pessoas. No entanto, considerando os desafios de saúde mental que os trabalhadores enfrentam em todo o mundo, os dados sugerem que as empresas poderiam fazer muito mais para apoiar as pessoas.
Automação, terceirização e recrutamento parecem ser prioridades mais baixas para solucionar as lacunas de competências. O foco é maior em medidas internas para lidar com a escassez de competências e talentos.
Ações que os empregadores estão adotando para abordar a escassez de competências/mão de obra
dos entrevistados no Brasil e no mundo dizem temer ser substituídos pela tecnologia nos próximos três anos. Em 2019, esse percentual era 50%.
no Brasil e 39% no mundo dizem estar preocupados em não receber das empresas treinamento suficiente em competências digitais e tecnológicas.
No mundo, os homens tendem mais do que as mulheres a dizer que são remunerados de forma justa e que pretendem pedir um aumento. Os dados da pesquisa mostram que dinheiro, por si só, não é suficiente para se manter no trabalho. Fatores intangíveis têm praticamente a mesma importância, como a realização no trabalho e a capacidade de ser autêntico no ambiente corporativo, que ficaram em segundo e terceiro lugar entre os empregados que avaliam fazer uma mudança de emprego.
Essas constatações estão alinhadas com os resultados da nossa pesquisa de 2021, em que 75% dos empregados disseram que queriam trabalhar para uma organização que fizesse uma contribuição positiva para a sociedade, enquanto metade relatou sofrer discriminação no trabalho.
Os fatores mais importantes ao avaliar uma mudança no ambiente de trabalho
Nossa análise também revelou um grupo de empregados extremamente ou muito propensos a procurar outro emprego (19% no Brasil e no mundo). As respostas deles apontam para sinais de alerta que as empresas precisam monitorar. Em meio a uma tendência de demissão voluntária, esses são os principais fatores para avaliar se seus profissionais correm o risco de sair.
Em comparação com os participantes da pesquisa global que são extremamente ou muito pouco suscetíveis a procurar outro emprego, as pessoas desse grupo tendem menos a:
Achar seu trabalho gratificante
Sentir-se remuneradas de forma justa
Sentir-se ouvidas por seus gestores
Sentir que podem ser autênticas no trabalho
Sentir que sua equipe se preocupa com elas
Algumas medidas podem ajudar a reformular a experiência das pessoas.
Inflação, pandemia, crises geopolíticas e sociais. Os líderes enfrentam várias disrupções com consequências profundas em seus trabalhadores e sua estratégia de talentos. Os gerentes seniores precisam encontrar uma forma sistemática de pensar sobre essas disrupções para se planejar no curto e longo prazos.
Para fundamentar o pensamento dos líderes, a PwC desenvolveu um framework que ajuda a entender as principais disrupções que moldaram as forças de trabalho ao longo da história e que são – como mostram os resultados desta pesquisa – altamente relevantes no momento. São elas: especialização, escassez, rivalidade e humanidade.
Conversas sobre esses temas no trabalho têm resultado positivo e não levam à polarização. Gostemos ou não, essas conversas estão acontecendo. As empresas operam em um mundo cada vez mais polarizado, onde questões políticas e sociais (como direitos civis, injustiça racial, igualdade de gênero) mobilizam intensamente as pessoas. Alguns gestores talvez temam que discutir esses assuntos no local de trabalho crie um campo minado.
No total, 93% dos brasileiros disseram ter esse tipo de conversa (com frequência, às vezes ou raramente), em comparação com 85% no mundo. Esse dado se reflete em grupos específicos.
Conversam sobre questões políticas e sociais no trabalho
Entre os participantes que têm conversas sobre temas sociais sensíveis no trabalho, os aspectos positivos, como uma melhor compreensão dos colegas, ambiente de trabalho mais aberto e inclusivo e maior empatia, superam os negativos.
Os que se identificaram como minorias étnicas tendem mais a dizer que essas experiências têm impacto positivo e são mais propensos a citar pelo menos um impacto negativo. Isso sugere que o efeito geral dessas conversas é mais relevante para esses empregados.
Conversam sobre temas sociais e políticos no trabalho (às vezes ou com frequência)
No total, 41% dos empregados no Brasil (30% no mundo) disseram que a empresa oferece apoio para que trabalhem de forma eficaz com pessoas que compartilham pontos de vista diferentes.
Dada a importância da empatia e da abertura na construção da confiança, essa é uma oportunidade que deve ser aproveitada. Apoiar e encorajar conversas sensíveis não é fácil. No entanto, os líderes podem avançar estabelecendo normas, oferecendo recursos e ajudando a garantir que essas conversas ocorram em ambientes seguros e sem julgamentos.
Esses ambientes devem enfatizar a escuta. Trata-se de uma oportunidade de desenvolvimento também para os líderes executivos, que geralmente se sentem muito mais à vontade no modo de solução de problemas do que na escuta ativa. O papel do líder é ajudar a empresa a dar significado, humanidade e impacto social à força de trabalho – não fornecer respostas.
As pessoas estão demandando que as empresas mirem além do desempenho financeiro para abordar questões ESG mais amplas, principalmente em relação à transparência.
Para elas, a área na qual a transparência é mais importante é a da proteção da saúde e segurança do trabalhador. Sem dúvida, esse dado guarda relação com a pandemia e a necessidade de recriar ambientes de trabalho com foco na saúde pública. No entanto, impacto econômico, diversidade no local de trabalho e impacto ambiental (incluindo clima) não ficaram muito atrás.
Apenas 31% dos respondentes no Brasil e 23% no mundo dizem que sua empresa os ajuda a minimizar o impacto ambiental de seu trabalho.
A falta de clareza sobre questões ambientais provavelmente decorre de uma falha de comunicação dos gestores. A maioria das empresas está tomando medidas para reduzir sua emissão de carbono, e muitas têm compromissos Net Zero, mas essas medidas talvez pareçam teóricas e abstratas para os profissionais na linha de frente.
O desafio para os gestores é tornar as questões ambientais imediatas e práticas, identificando mudanças específicas de comportamento que as pessoas podem fazer. A 25ª Global CEO Survey da PwC chegou a uma conclusão semelhante. A pesquisa revelou que as empresas tendem mais a incluir metas climáticas em sua estratégia do que nas metas de desempenho dos executivos.
Parte da solução está em fazer divulgações e comunicações mais robustas sobre as medidas ambientais que a empresa já adota, melhorando seu desempenho e aumentando as divulgações com o tempo. Ao fazer isso, os líderes podem usar a transparência para desenvolver uma relação de confiança com a força de trabalho.
Uma parcela significativa da força de trabalho global não pode trabalhar remotamente. Esse grupo – 35% dos participantes da nossa pesquisa no Brasil e 45% no mundo – relata menos satisfação com o trabalho do que os que atuam em modelos híbridos ou totalmente remotos.
No mundo, 63% dos que atuam em modelos híbridos ou totalmente remotos dizem estar satisfeitos no trabalho. Esse percentual é de 50% para os que atuam presencialmente.
Os trabalhadores que não podem trabalhar remotamente também tendem muito menos a dizer que consideram seu trabalho gratificante, que sua equipe se preocupa com seu bem-estar, que são remunerados de forma justa ou que podem ser criativos em seu trabalho.
Ao reavaliar suas estratégias de talentos, as empresas devem levar em conta essas insatisfações. Além disso, as empresas precisam levar em conta o papel que essas pessoas desempenham na sociedade, prestando serviços que não poderiam ser realizados remotamente.
Grande parte dos participantes acredita que, no próximo ano, seu empregador fornecerá opções de trabalho que eles avaliam positivamente. No total, 43% no Brasil e 62% no mundo preferem alguma combinação de trabalho presencial e remoto. Já 52% no Brasil e 63% no mundo esperam que sua empresa ofereça esse tipo de abordagem nos próximos 12 meses, em comparação com 72% na pesquisa de 2021.
Esses dados confirmam o resultado de outro estudo da PwC e do PageGroup no Brasil, segundo o qual 40% dos empregados preferem trabalhar após a pandemia em regime híbrido com um ou dois dias por semana no escritório, 71% esperam que o ambiente de trabalho se torne mais informal ou flexível.
No entanto, a pesquisa atual revela uma desconexão nos extremos das preferências: 33% dos brasileiros preferem o trabalho totalmente remoto, em comparação com 26% da média global.
Mas apenas 21% no Brasil e 18% no mundo disseram que sua empresa provavelmente adotaria esse modelo. Outros 27% no Brasil e 18% no mundo dizem que sua empresa provavelmente exigirá trabalho presencial em tempo integral, o que apenas 15% dos brasileiros e 11% no mundo preferem.
65% dos brasileiros podem trabalhar remotamente, em comparação com 54% no mundo.
Expectativas em relação ao trabalho daqui a 12 meses
No grupo dos que trabalham remotamente em tempo integral (17% no mundo e 21% no Brasil), 36% estão preocupados em perder oportunidades de desenvolvimento. No Brasil, esse percentual é de 23%. Esses empregados precisam de uma abordagem mais proativa de gestão de desempenho e desenvolvimento de carreira.
Para os gestores, a meta é distribuir oportunidades de forma equitativa, independentemente de as pessoas trabalharem de modo remoto ou presencial.
Em outras palavras, o trabalho híbrido veio para ficar. A proporção exata de tempo no escritório e em casa varia, mas as empresas precisam experimentar e se adaptar. Isso inclui abordar fatores por trás do risco de perder seus talentos para os concorrentes – como autenticidade, trabalho com propósito e transparência salarial – que podem se tornar mais desafiadores de gerenciar quando as pessoas não estão no mesmo local todos os dias.
As empresas também devem investir em tecnologia para apoiar o trabalho remoto e adotar mecanismos de governança corretos sobre as decisões a respeito de remuneração, promoções e outras recompensas, para combater o “viés de proximidade”.
Os dados permitem estabelecer um perfil dos trabalhadores mais jovens e de como eles diferem da base geral de respondentes. Muitos deles ingressaram na força de trabalho durante a pandemia e tiveram menos interações pessoais com colegas e gerentes. Sua perspectiva foi moldada por essa experiência.
Especificamente, os funcionários de 18 a 25 anos são:
Ligeiramente mais propensos a trabalhar remotamente
Mais preocupados com o impacto da tecnologia em seus empregos nos próximos três anos
Mais propensos a pedir um aumento ou promoção
Mais preocupados em ser ignorados em relação às oportunidades
Menos satisfeitos com o seu trabalho
Mais propensos a mudar algum aspecto de sua vida profissional – horário de trabalho, empregador ou até deixar a força de trabalho
Mais da metade dos empregados do setor de Energia, utilities e recursos naturais tem propensão a pedir aumento. É também o setor no qual os empregados têm mais propensão a pedir uma promoção, trocar de empregador, deixar a força de trabalho temporária ou permanentemente, reduzir ou aumentar seu horário de trabalho.
Principal ação | % | Setor |
---|---|---|
Automação e digitização | 42% | Tecnologia, mídia, telecom |
Apoio em relação ao bem-estar físico e mental | 42% | Serviços financeiros |
Recrutamento de trabalhadores com menos qualificação ou experiência | 41% | Saúde |
Ampliação do recrutamento para incluir trabalhadores mais diversificados | 40% | Energia |
Aumento de salários | 34% | Serviços |
Upskilling de pessoal | 32% | Tecnologia, mídia, telecom |
Terceirização | 30% | Serviços financeiros |
Contratação de trabalhadores qualificados do exterior | 21% | Energia |
Nossas constatações são médias globais, para o país ou alguns setores, portanto, cada organização e até mesmo unidade de negócio provavelmente terá suas próprias variações sobre os temas que identificamos. Mas as empresas não conhecerão essas realidades a menos que comecem a fazer suas investigações. Em outras palavras, eles devem adaptar sua estratégia de talentos às necessidades únicas de seus empregados.
Mais especificamente, as empresas precisam coletar dados sobre o sentimento dos empregados a respeito dos temas que identificamos, segmentar pessoas com atributos comuns em personas e desenvolver planos de ação priorizados para esses grupos.
A maioria das organizações precisará alinhar seu propósito e sua agenda de confiança, criar o ambiente adequado para os empregados falarem de questões sociais e políticas, comprometer-se com a transparência sobre a remuneração, dobrar a aposta na inclusão e investir no desenvolvimento de lideranças para que tudo isso aconteça.
Elas precisam alinhar sua estratégia de talentos com a estratégia de negócios e comunicar – até mesmo em excesso – sua abordagem de capital humano. E, o que é essencial, precisam monitorar seu desempenho ao longo do tempo.
Uma série de desafios, como incerteza geopolítica e econômica, questões climáticas, mudanças sociais e ameaças cibernéticas, marca o ambiente de negócios atual. Para alcançar o sucesso, as empresas precisam contar com empregados totalmente engajados, motivados e ansiosos para contribuir.
Ao assumirem objetivos de negócios ou sociais ambiciosos, os líderes devem se lembrar de que as pessoas podem ser multiplicadores de força ou detratores. Na verdade, nossa pesquisa revela que a força de trabalho é o principal risco ao crescimento – e o principal meio pelo qual as empresas podem executar estratégias com foco no crescimento.
Compreender o equilíbrio de poder no ambiente de trabalho em todos os seus aspectos pode ajudar os líderes a motivar suas pessoas, explorar o poder inerente a elas e atingir metas mais ousadas.