Nosso mundo está mudando. Ele vem se adaptando e evoluindo para lidar com disrupções, abalos naturais em seu ambiente físico e mudança de prioridades e aspirações da população em geral. Na última década, a comunidade internacional se uniu para colaborar e abordar as crescentes evidências científicas de que, se as coisas continuarem como estão, o planeta Terra não sobreviverá. Agora cabe a nós aproveitar a oportunidade dessa tomada de consciência coletiva e trabalhar para preservar nosso planeta e o bem-estar de sua população.
Este relatório expressa as opiniões, ambições e o engajamento de aproximadamente 700 crianças e jovens entre 10 e 20 anos, de 81 cidades em todo o mundo, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O documento reflete as conclusões de uma pesquisa que capta as perspectivas desses jovens em relação aos objetivos, a visão deles para o futuro e como eles estão trabalhando para apoiar a concretização desses objetivos. É um chamado à ação, para que os jovens se envolvam, ainda mais, como arquitetos e cocriadores de um futuro mais justo e sustentável.
Em 2015, todos os 153 estados membros das Nações Unidas adotaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. A agenda estabelece um plano para os países desenvolvidos e em desenvolvimento trabalharem juntos para alcançar 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os objetivos visam mitigar e eliminar riscos socioambientais e, desde então, tornaram-se uma marca global para o desenvolvimento sustentável e holístico. Embora ambiciosos e universais, os ODS há muito são criticados por estarem se desviando do caminho pretendido e não serem vinculantes. Eles também foram impactados pela pandemia de covid-19, que reverteu o progresso alcançado nos últimos 15 anos e ampliou as desigualdades em nível nacional e internacional. Como resultado, grupos socialmente vulneráveis e países em desenvolvimento foram os mais atingidos pela pandemia e agora estão mais longe de atingir as metas dos ODS. Um relatório das Nações Unidas de 2020 sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável constatou que a pandemia impactou negativamente cada um dos 17 objetivos e o alcance de suas metas.
Ainda que a população jovem atual seja a maior da história – 1,8 bilhão de pessoas, o que representa 16% da população global –,1 a conscientização e o engajamento dos jovens em torno dos ODS foram, em sua maior parte, negligenciados. Isso é especialmente preocupante, quando sabemos que a quantidade de jovens deve crescer nos próximos anos: o número de crianças que completam 15 anos entre 2015 e 2030 chegará a 1,9 bilhão e continuará aumentando.
Aproximadamente 71 milhões de pessoas voltaram à pobreza extrema.
A disrupção e o acesso limitado a escolas, serviços de saúde e nutrição resultaram em um aumento da violência doméstica contra mulheres e crianças, colocaram mais pressão sobre as mulheres e aumentaram o risco de mortes de menores de 5 anos e mães. Também resultou em um aumento no trabalho/tráfico infantil que atrasa os ganhos obtidos nos últimos 20 anos.
Um aumento no subemprego e no desemprego, especialmente entre a parcela de 1,6 bilhão de trabalhadores vulneráveis no setor informal, levando a uma queda de 60% na renda.
Deterioração da infraestrutura e das condições de vida de mais de um bilhão de pessoas que vivem em favelas urbanas.
No início de 2021, a Edelman elaborou seu Barômetro de Confiança anual e destacou haver uma queda crescente na confiança no governo. Também detectou uma expectativa crescente de que as empresas liderarão e, de fato, devem avançar para preencher o vazio na resolução dos problemas sociais. As opiniões dos jovens expressas em nossa pesquisa mostram uma história diferente. As organizações não governamentais e internacionais (ONG e OI) lideram em termos de “fazer o suficiente” para dar apoio ao nosso planeta e às pessoas (49%) e são seguidas de perto pelo governo (37%). No outro extremo do espectro, nossos entrevistados acreditam que as empresas são o grupo que menos faz para ajudar o planeta, seguido de perto pelas pessoas.
Surpreendentemente, um grande número de entrevistados não sabia responder se o que vem sendo feito é suficiente. Em geral, com exceção do governo (20%), quase 40% dos participantes da pesquisa não sabiam se o grupo em questão estava fazendo o suficiente. Isso pode indicar uma lacuna na comunicação com os jovens e põe em questão se certos grupos poderiam fazer mais para promover seu envolvimento com os ODS.
Nossa pesquisa mostra um alto grau de conscientização entre os jovens entrevistados sobre os ODS. Isso é animador, pois a faixa etária mais jovem coberta pela pesquisa vai dos 10 aos 20 anos. A maioria dos entrevistados (42%) tem entre 14 e 16 anos.
A importância desse nível de consciência vai além do fato óbvio de que são esses mesmos jovens que viverão as consequências de nossas ações com o planeta, de como o tratamos e da sustentabilidade de seus recursos no futuro.
Um alto grau de conscientização sobre os ODS reflete uma disposição e um desejo de entender melhor e, possivelmente, de se envolver, para além de limites e fronteiras, a fim de abraçar a ideia de um futuro coletivo, que impacta e é impactado por outros.
Dado o alto grau de consciência sobre os ODS entre os entrevistados da pesquisa, é importante entender a importância dessas metas e o que elas significam para os participantes.
No total, 73% dos entrevistados acreditam que o ODS 6 (Água potável e saneamento) é "extremamente importante". Sem dúvida, trata-se da meta mais importante para os participantes da pesquisa. A pandemia reforçou a importância de uma boa higiene para o manejo e prevenção de doenças, mas, além disso, a água influencia fortemente a habitabilidade, os meios de subsistência, a produtividade econômica e a biodiversidade. Hoje, 2,2 bilhões de pessoas – uma em cada três na população mundial – não têm acesso a água potável e mais de 673 milhões de pessoas não dispõem de instalações sanitárias.
Com as mudanças em curso estimuladas pelas mudanças climáticas, é necessário agir para melhor gerenciar as águas residuais (80% das quais retornam ao ecossistema sem serem tratadas), salvaguardar as zonas úmidas remanescentes do mundo (70% das quais foram perdidas) e explorar inovações na geração e gestão de água.2
Bem próximo ao ODS 6, as prioridades apontadas foram o ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima) – extremamente importante para 72% – e o ODS 2 (Fome zero) – extremamente importante para 69%.
O impacto devastador das mudanças climáticas e a urgência em não ultrapassar a marca de 1,5 grau Celsius de aquecimento global para salvar a humanidade já são tristemente sentidos por muitos em todo o mundo. No verão quente de 2022, o Reino Unido alcançou temperaturas recordes, chegando a 40 graus Celsius pela primeira vez em sua história de registros climáticos.3 Para além da elevação da temperatura – e o consequente aumento da incidência de incêndios florestais –, das doenças relacionadas ao calor e das limitações gerais de mobilidade e produtividade, a mudança climática tem um forte impacto em muitos outros fatores-chave. Isso inclui fortes tempestades que resultam em inundações e deslizamentos de terra, secas e escassez de água, aumento do nível do mar e eliminação de ilhas e cidades costeiras, além de perda de espécies, destruição de colheitas e, consequentemente, insegurança alimentar, pobreza e fome.
Como já destacado, mudanças drásticas são necessárias se quisermos, coletivamente, atingir nossa meta de “Fome zero” até 2030 (ODS 2). Oficialmente, a redação desse objetivo é “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável”, o que o torna desafiador em todos os aspectos.
As estimativas das Nações Unidas indicam que, atualmente, cerca de 690 milhões de pessoas passam fome – 8,9% da população mundial. Estima-se que esse número – que aumentou em 10 milhões de pessoas em um ano – ultrapasse os 840 milhões até 2030, se as tendências atuais não forem revertidas.4 Os ODS estão interligados e são interdependentes. Talvez o “Fome zero” seja o mais impactado pelo progresso nos outros objetivos – que vão desde paz e segurança até igualdade de gênero, acesso à água e mudanças climáticas.
Como o Oriente Médio é a região com mais respondentes na pesquisa (44%), é importante ressaltar que esses três objetivos (ODS 6, 13 e 2) representam as principais prioridades para o futuro da região. Nove dos dez países mais pobres em água do mundo são do Oriente Médio. Se continuar a aquecer o dobro da média global, até 2030 a região estará quatro graus mais quente do que o limite máximo que se pode atingir para preservar a humanidade – 1,5 grau Celsius.
Por causa de conflitos e da fragilidade de muitos dos estados-nação no Oriente Médio, o mundo árabe experimentou nas últimas duas décadas – como estimado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) – um aumento de 91% na taxa de subnutrição. Atualmente, 15,8% da população árabe é subnutrida, número consideravelmente superior à média mundial de 9,9%.5
Nossa pesquisa mostra uma comunidade jovem global comprometida em moldar ativamente seu futuro. A maioria dos jovens já está engajada, planeja se engajar ou gostaria de se engajar em todos os 17 ODS. Aproximadamente um terço dos entrevistados, porém, não sabe ao certo como agir para apoiar os objetivos.
Alguns ODS contam com um nível de participação mais alto e recebem maior contribuição dos jovens do que outros. O ODS 5 (Igualdade de gênero) e o ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima) têm os níveis mais altos de engajamento.
A igualdade de gênero não é apenas um direito humano fundamental, mas também um requisito importante para uma sociedade próspera e dinâmica. Aumentar a conscientização e envolver os jovens para que tenham clareza sobre as normas e construções sociais que sustentam a discriminação e a injustiça de gênero é fundamental para abordar uma das questões mais prementes de nosso tempo. De acordo com o Índice de Paridade de Gênero 2021 do Fórum Econômico Mundial, que mede a acessibilidade e a igualdade em uma ampla gama de indicadores, o mundo cumpriu apenas 68% da jornada para alcançar a paridade de gênero – 0,5 ponto percentual a mais em relação a 2020. Como consequência, a quantidade de anos necessária para fechar a lacuna de gênero passou de 99,5 anos, em 2020, para 135,6 anos.6 É perturbador saber que, além das restrições não materiais de gênero e da situação delicada citada antes, continuam a existir até hoje, em todo o mundo, grandes barreiras legais e regulatórias contra a igualdade de gênero. Apesar das mudanças regulatórias importantes ocorridas nos últimos dois anos, a média global do “Women, Business and Law Score” do Banco Mundial é de 76,5/100, o que significa que, globalmente, bilhões de mulheres ainda não têm os mesmos direitos legais que os homens – em média, uma mulher desfruta de três quartos dos direitos legais concedidos aos homens.7
O nível de engajamento dos jovens em torno do ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima) não surpreende, dada a importância que as Nações Unidas e seus vários órgãos, a Conferência das Partes e outras organizações internacionais e regionais atribuem ao engajamento dos jovens em relação às mudanças climáticas.
Normalmente, o envolvimento dos jovens com as mudanças climáticas ocorre por meio de uma variedade de canais, incluindo, entre outros, conferências, eventos organizados pela comunidade, programas de intercâmbio etc. No futuro, as vozes dos jovens devem ser mais bem representadas e ouvidas em fóruns internacionais onde as decisões são tomadas (o discurso de Greta Thunberg na Cúpula de Ação Climática da ONU em 2019 é um exemplo). Salvaguardas institucionais também devem ser implementadas para garantir que essa representação seja diversa, inclusiva e totalmente representativa da juventude e que os canais de comunicação não fiquem limitados a poucos privilegiados.
A maioria dos relatórios que exploram os ODS tende a traçar uma imagem sombria de como será o futuro. As mudanças climáticas, a injustiça social e as desigualdades econômicas dominaram a agenda internacional de desenvolvimento e foram amplificadas pelo impacto brutal da pandemia de covid-19 nas economias em desenvolvimento e nos grupos sociais vulneráveis. Nossa pesquisa mostra que, apesar da urgência e da necessidade premente de abordar essas questões, há um forte potencial para juntar o otimismo e a energia dos jovens e engajá-los na construção de um futuro melhor.
Os jovens estão ansiosos para se envolver ativamente em torno dos ODS e melhorar suas sociedades. Programas voltados para a juventude são necessários para aumentar a conscientização sobre como diferentes grupos contribuem para a sociedade.
Um número considerável de jovens está apoiando ativamente as comunidades para que as metas dos ODS que mais importam para eles sejam alcançadas. Comemorar essas contribuições e seu impacto inspirará os jovens a inovar nas formas de contribuir efetivamente para os ODS.
Esforços conjuntos precisam ser feitos para abordar as lacunas de informação e de comunicação nos ODS apontados como prioritários pelos jovens. Dessa forma, os jovens poderão ter mais clareza sobre como podem estruturar seu envolvimento/contribuição para atingir os objetivos.
1) Nações Unidas: The Sustainable Development Goals: Youth & SDGs
2) Departamento das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico e Social, Water & Sanitation, e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, Goal 6: Ensure Access to Safe Water and Sanitation for All
3) https://www.bloomberg.com/news /articles/2022-07-19/weather-heatwave-latest-l5s4h86d
4) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, Goal 2: Zero Hunger
5) Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas, Near East and North Africa Regional Overview of Food: Statistics & Trends 2021
6) Fórum Econômico Mundial, 7 of the Most Surprising Facts About Global Gender Gaps, 31 de março de 2020, https://www.weforum.org/agenda/2021/03/global-gender-gap-facts/
7) Banco Mundial, Women, Business and the Law
Sócio e líder de Sustentabilidade Corporativa e Net Zero, PwC Brasil
Tel: 4004 8000