O mundo passa por uma transformação acelerada no mercado de trabalho. Funções tradicionais que representavam 15,4% da força de trabalho global em 2020 encolherão para 9% até 2025. Por outro lado, a participação de novas profissões ligadas à digitização e tecnologia quase dobrará, crescendo de 7,8% para 13,5% da base total de empregados no mesmo período. No Brasil, somente o setor de tecnologia vai demandar quase 800 mil novos talentos de 2021 a 2025.
Mas o Brasil pode ficar para trás. O estudo que conduzimos em parceria com o Instituto Locomotiva traçou um retrato preocupante da prontidão do país para um futuro que poderia ser promissor. Teremos grandes dificuldades de avançar no processo de digitização enquanto o acesso à internet permanecer amplamente desigual, os equipamentos disponíveis não forem adequados para a formação digital e o sistema de educação básica continuar a formar um grande contingente de brasileiros incapazes de interpretar textos, sem conhecimentos suficientes de matemática e do idioma inglês.
A fim de reverter esse cenário, sugerimos que governos, educadores e empresas atuem em quatro áreas, de modo a contribuir para solucionar o problema da inclusão digital e ampliar as opções de futuro do país.
A participação das novas profissões quase dobrará, crescendo de 7,8% para 13,5%
O setor de tecnologia no Brasil vai demandar quase 800 mil novos talentos de 2021 a 2025
O Brasil tem um dos dez piores desempenhos do mundo em matemática e um fraco resultado em leitura no exame Pisa, a avaliação mundial da educação feita pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com 79 países. A pandemia piorou o quadro da educação no país. Em 2021, 10 de cada 25 crianças brasileiras não sabiam ler e escrever (eram 6 em 2019). Além disso, estudo feito pela OCDE com base nos resultados do Pisa mostra que 67% dos estudantes de 15 anos no Brasil não conseguem diferenciar fatos de opiniões na leitura de textos.
O ranking de alfabetização digital do índice “The Inclusive Internet 2021”, publicado pela revista britânica The Economist, mostra também uma situação pouco animadora: o Brasil ocupa a 80ª posição, entre 120 países. O resultado desse quadro é o uso limitado dos recursos da tecnologia e da internet para conseguir explorar plenamente as oportunidades que o ambiente on-line oferece em termos de educação, exercício da cidadania e inserção no mercado de trabalho.
68%
dos estudantes não conseguem interpretar e reconhecer como uma situação pode ser representada matematicamente
50%
não conseguem identificar a ideia geral de um texto de tamanho moderado, encontrar informações explícitas nem refletir sobre a forma e finalidade do conteúdo
87%
dos brasileiros não falam um segundo idioma e apenas 9% dizem falar inglês
8 em cada 10usuários de internet com mais de 25 anos não têm curso superior
Calculamos um Índice de Privação On-Line, que permitiu definir quatro perfis de usuários brasileiros, com base em informações como duração do pacote contratado, limitações de acesso a conteúdo, ações de economia de dados, entre outras.
No Brasil, 81% da população com 10 anos ou mais usam a internet, mas somente 20% têm acesso de qualidade à rede. Há diferenças marcantes no acesso à internet entre os extremos das classes de renda (100% na classe A, em comparação com 64% na DE) e entre negros e não negros. Em termos educacionais, o índice de conexão é maior entre estudantes de escolas privadas, o que acentuou o déficit de ensino durante a crise sanitária. E apenas 8% dos internautas plenamente conectados pertencem às classes DE, enquanto entre os desconectados eles são 60%.
Ao buscar entender as razões da desigualdade de acesso, encontramos três fatores básicos: deficiências da infraestrutura de conexão – que incluem problemas de amplitude, qualidade e distribuição do sinal, além de custo do acesso e dos equipamentos; limitações de acesso a hardware; e deficiências do sistema educacional.
A carência de infraestrutura tem relação direta com a renda de uma determinada região: quanto menor a renda, pior o sinal. Como a banda larga fixa é contratada por velocidade de tráfego e a móvel por quantidade consumida de dados, essa situação representa uma limitação de acesso a conteúdo on-line para os usuários de renda mais baixa – que predominantemente usam a banda larga móvel – e aprofunda a desigualdade.
13,5 milhões
de domicílios têm conexão de banda larga móvel via modem ou chip, que é mais lenta para acessar a internet. Nove em cada dez deles são das classes CDE.
68%
dos domicílios sem acesso à internet apontam o alto preço dos serviços como um dos motivos para não os contratar.
O celular é o dispositivo de acesso à internet mais comum entre os brasileiros: 99% dizem usar o aparelho com essa finalidade. Para 58% dos usuários no país, o celular é o único meio de acesso à internet. Esse uso exclusivo do aparelho aumenta entre os indivíduos de renda mais baixa e os negros, o que revela o impacto do custo do hardware e dos serviços de banda larga nas escolhas sobre os meios de conexão.
Cerca de 6 milhões de estudantes (da pré-escola à pós-graduação) não conseguem fazer aulas remotas por falta de acesso à internet em casa. A maioria esmagadora deles está no ensino fundamental público.
Fonte: Undime, Unicef e Itaú Social – pesquisa em 3.672 cidades brasileiras 2021 Ipea.
Acesso domiciliar à internet e ensino remoto durante a crise sanitária.
Entre internautas que são estudantes ou moram com estudantes:
A crise sanitária evidenciou o imenso gap digital entre ensino público e privado. Enquanto 88% das escolas privadas realizaram aulas a distância por meio de videoconferência, o percentual das escolas públicas que teve acesso a esse recurso foi de 59%.
Os professores também enfrentaram dificuldades para se adaptar. No total, 89% não tinham experiência anterior em ensino remoto e a maioria não recebeu formação para usar tecnologia digital.
A desigualdade de acesso à internet que destacamos no nosso estudo não só reflete a disparidade socioeconômica do país como ajuda a reforçá-la. As consequências serão vistas no futuro em mais informalidade do mercado de trabalho, redução do índice de produtividade do país, que já é considerado baixo, atraso no desenvolvimento humano e profissional da próxima geração e redução do acesso a serviços públicos.
Para reverter esse quadro e solucionar o problema da inclusão digital, a PwC e o Fórum Econômico Mundial identificaram quatro áreas em que governos, educadores e empresas podem colaborar:
Governos, empresas e instituições de educação devem trabalhar juntos com base em uma visão de futuro comum e em papéis e responsabilidades bem definidos para construir um ecossistema forte e interconectado, comprometido com uma agenda abrangente de fortalecimento das competências digitais da população. Esse esforço deve se basear em análises de cenário, previsões de demanda de trabalho em diferentes setores, políticas de incentivo e indicadores de qualidade e desempenho.
Devem utilizar uma abordagem ágil para impulsionar as iniciativas nacionais de qualificação digital, trabalhando com empresas, organizações sem fins lucrativos e o setor de educação.
Devem adotar a capacitação digital e o investimento na força de trabalho como princípios fundamentais de negócio e estabelecer prazos para seus compromissos de ação.
Devem repensar as iniciativas de qualificação e requalificação profissional e utilizar o conceito de aprendizagem ao longo da vida para garantir que todos tenham oportunidade de participar do futuro do trabalho.