*Por Fernanda Cavalcante e Barbara Lemes
Em contexto em que não há bala de prata que resolva todos os desafios da agricultura, a visão holística sobre a produção ganha espaço. Os sistemas regenerativos emergem como uma das principais tendências, conquistando a adesão de agricultores que buscam uma produção mais rentável e sustentável.
Diante do desafio da transição da Fazenda Americana/Três Irmãos para a adoção de práticas mais sustentáveis, Daniel Girello, produtor rural em Primavera do Leste (MT) e engenheiro agrônomo, desenvolveu a metodologia Nova Velha Agricultura (NVA). Inspirada em práticas milenares japonesas e coreanas, a abordagem visa aumentar a produtividade e o lucro, reduzindo a dependência de insumos químicos.
Hoje, essa técnica já alcançou agricultores em Portugal, Uruguai, Bolívia e Paraguai, comprovando sua eficácia além das fronteiras brasileiras.
Essa matéria é baseada na história de Girello, contada no primeiro episódio da série "Produtor no Centro", um podcast conduzido pela Coordenadora da Comunidade de Produtores do PwC Agtech Innovation, Nathália Lopes. A iniciativa abre espaço para quem está no dia a dia do campo compartilhar experiências e aprendizados.
Girello, durante sua graduação, acumulou vasta experiência em fazendas no Brasil e nos Estados Unidos. Durante sua estadia de dois anos no exterior, trabalhou como tratorista, limpando silos e construindo pivôs, o que proporcionou uma experiência única.
De volta ao Brasil, passou seis anos em uma multinacional, onde adquiriu conhecimentos valiosos que moldaram sua carreira. A grande virada aconteceu em 2019, quando seu sogro o convidou para trabalhar na fazenda da família.
O método NVA surgiu nesse contexto, em uma tarde de sol forte no centro-oeste brasileiro. O engenheiro agrônomo percebeu que algo precisava mudar ao observar o manejo utilizado na fazenda. "Naquele dia, o que mais me chamou atenção foi o número de aplicações que estávamos realizando. Percebi que algo estava errado, não fazia sentido o aumento que estava acontecendo safra após safra", explica.
Foi então que Girello começou a buscar alternativas para reduzir o número de aplicações de produtos químicos. Ele passou a estudar a microbiologia do solo e a entender melhor seu manejo, com o objetivo de seguir uma agricultura mais regenerativa. A principal inspiração? A própria natureza.
O método resgata técnicas do passado e as adapta para a realidade atual, utilizando insumos de baixo custo que podem ser produzidos dentro da fazenda. O NVA imita processos naturais para regenerar o solo e fortalecer as plantas, baseando-se em três pilares:
Compostagem e biofertilizantes – O objetivo é restaurar a biodiversidade do solo, essencial para a solubilização de nutrientes, o controle de patógenos e a formação de parcerias entre microrganismos e raízes. O processo envolve o uso de biofertilizantes e uma maior diversidade de matéria orgânica.
Plantas de cobertura – Além de proteger o solo e evitar o crescimento de plantas daninhas, suas raízes promovem interações biológicas que melhoram a estrutura do solo. "Cada planta tem um papel, algumas descompactam o solo, outras liberam nutrientes, e juntas criam um ambiente diverso e resiliente", explica o produtor.
Viabilidade operacional e econômica - Ajustes na condução da lavoura permitem que a técnica seja aplicada de forma viável e escalável. "O método deve ser agronomicamente viável, assegurar produtividade, oferecer segurança e garantir a rentabilidade do negócio", destaca Girello.
A implementação da NVA iniciou de forma experimental, com a produção de microrganismos diretamente na Fazenda Americana/Três Irmãos. O produtor comenta que o começo foi desafiador e exigiu ajustes operacionais significativos. Entretanto, com o tempo, a prática foi aprimorada através de estudos aprofundados e experiências de campo. Atualmente, o processo está estruturado, o que facilita a adoção pelos novos produtores interessados no programa.
Para Girello, o impacto do seu método transcende os benefícios financeiros imediatos. Ele observa que há uma oportunidade para adaptar a abordagem agrícola, apoiado por uma rede robusta de mais de 80 mil seguidores e 420 agricultores que participaram de seus cursos. "Cada número representa uma família, um agricultor que tem a oportunidade de fazer essa transição regenerativa. Estamos conseguindo transformar, de certa forma, a vida dessas pessoas e contribuir para o desenvolvimento sustentável do nosso país", afirma.
Ele também compartilha relatos de agricultores que participaram de seu treinamento e que, em apenas um ano, conseguiram reduzir drasticamente o uso de produtos químicos. "Áreas que antes utilizavam cinco aplicações de fungicidas e sete de inseticida agora usam apenas uma. Além disso, a produção de fertilizantes na própria fazenda reduz o custo dos insumos pela metade, e ainda temos o bônus de não depender das oscilações do mercado", comenta o produtor.
Apesar dos avanços, desafios ainda existem. A transição para esse modelo exige aprendizado, adaptação e investimentos iniciais. O agricultor destaca que começar pequeno e ajustar a operação ao longo do tempo é o caminho para uma adoção segura.
A tecnologia também pode desempenhar um papel crucial nesse contexto. Um exemplo é o desafio relacionado à falta de produtos biológicos que substituam os herbicidas. Girello vê uma oportunidade no desenvolvimento de equipamentos que permitam a roçada nas entrelinhas. "A existência de uma máquina que realize essa roçada representaria um grande avanço. Talvez não elimine completamente o uso de herbicidas, mas qualquer redução na aplicação já faz diferença", afirma.
Para conhecer mais sobre o método NVA e como a agricultura mais sustentável pode moldar e impactar as produções futuras, ouça agora o primeiro episódio da série “O Produtor no Centro” disponível no canal do Youtube do PwC Agtech Innovation e no Spotify.