O que algumas das principais agfintechs do mercado planejam para 2024?

No oceano azul de quem inova o crédito no agro, diversificação das fontes de financiamento, uso de IA e soluções de crédito verde são tendências para 2024  

Fevereiro 2, 2024

Por Marina Salles

De todos os mercados do agronegócio relacionados à tecnologia, o de agfintechs é um dos que cresce de forma mais acelerada. Em 2019, o Radar Agtech Brasil indicava a presença de 24 startups da categoria de serviços financeiros no país. Em 2020/2021, o número subiu para 42 startups ativas, enquadradas no escopo de crédito, permuta, seguro, créditos de carbono e análise fiduciária. Em 2022, o número chegou a 61 dentro desta mesma nomenclatura e, em 2023, alcançou a marca de 85 startups. 

E não à toa. Afinal, a demanda por crédito no setor no Brasil é grande – passando de R$ 1 trilhão por ano, segundo estimativas do mercado – o que abre um oceano azul de oportunidades para criação de mecanismos mais ágeis, eficientes e inteligentes de financiar os agricultores e pecuaristas. Para este artigo, conversamos com algumas agfintechs da comunidade PwC Agtech Innovation, para você ter um panorama das suas conquistas recentes e do que elas planejam para 2024:

Mauricio Fragata Quintella, Diretor de operações na TrAIve (Foto: TrAIve)

Na Traive: tecnologia de ponta, crédito direto e olhar para a pecuária e regen ag 

Atendendo de indústrias de insumos a revendas, cooperativas e tradings, a Traive fechou 2023 com uma carteira de aproximadamente R$ 50 bilhões em ativos de crédito que beneficiaram uma rede de quase 100 mil produtores. Seu time também cresceu, chegando a 120 pessoas – com a equipe de vendas a campo aumentando 10x. O número de clientes, hoje da ordem de 100, cresceu 5x no período.

Mauricio Quintella, Diretor de Desenvolvimento de Negócios da Traive, conta que o foco da startup em 2023 foi no fortalecimento da cadeia em que atua – além do desenvolvimento de tecnologia e lançamento de novos produtos. Nesses quesitos, o ano foi cheio para a Traive. Em agosto, a startup anunciou a superatualização da sua plataforma e o robô de IA Travis, que responde os analistas de revendas clientes sobre o score de crédito da sua carteira de produtores, entre outras demandas. Já em novembro, apresentava na Conferência Internacional sobre IA em Finanças, promovida pelo JP Morgan e US Bank, em Nova York, nos EUA, dois “papers” sobre seu modelo de inteligência artificial para análise de crédito.

“O mercado teve muitas ofertas de soluções pontuais ligadas ao processo de crédito, mas foi impactado por um ano muito difícil. Na Traive, sempre tivemos a visão de que existe uma necessidade de transformação no modelo de financiamento na cadeia agrícola, para que nossos clientes sejam mais competitivos e continuem crescendo, compartilhando riscos com financiadores. Essa não é uma mudança simples e, no último ano, nos estruturamos para promover isso”, diz.

No que tange à mudança de mindset, na visão de Quintella, um dos grandes cases foi o do CRA RCF. Construído por meio de uma parceria estratégica com agentes da área financeira e ambiental, o projeto contou com um framework robusto para financiar, em dólares, produtores do bioma Cerrado – numa operação sem intermediação, baseada na conexão direta de investidores internacionais a produtores rurais no Brasil. “No ano passado, esse projeto movimentou US$ 47 milhões, e nossas projeções indicam a expectativa de triplicar esse volume em 2024”, diz. A expansão será conduzida em colaboração com clientes e parceiros da startup no campo. Este ano, Quintella conta também que a startup vai investir no lançamento de duas outras linhas de serviço: uma para o setor pecuário e outra para as indústrias que apoiam a agricultura regenerativa.

Nos planos de captação com equity, Quintella afirma que novidades estão por vir e lembra que hoje o quadro de investidores estratégicos da Traive é composto por grandes players estratégicos, como: Syngenta, Basf, FMC, Minerva e Serasa/Experian.

Na foto, da esq. para direita: Fred Amaral (CPO), Paulo Viola (CFO), Marcell Montipó Salgado (CEO) (Foto: E-ctare)

Na E-ctare: intermediação de crédito, rodada aberta e cartão de crédito em vista

Na E-ctare, que dá acesso a crédito inteligente para produtores de café e pecuaristas de gado de corte e leite, 2023 terminou com a liquidação do seu primeiro CRA e emissão do segundo, cada qual no valor de R$ 55 milhões – que contribuíram para o resultado de R$ 700 milhões em crédito movimentados na carteira ao longo do ano. 

Atualmente, a E-ctare tem como sócios majoritários seu fundador e CEO Marcell Salgado, o investidor anjo Fernando Alvarenga (da família dona da manteiga Aviação) e os controladores da empresa de software Agely (Francisco Lúcio, Ely Prado e Juliano Zani), além do Conglomerado Alfa e dois funcionários que trabalham na startup desde a fundação. Em 2023, a startup não fez captação, mas já virou 2024 com uma rodada aberta e em contato com mais de 35 fundos, visando investir em novos desenvolvimentos de tecnologia e produtos.

“De 2015 para cá, o montante que concedemos em crédito passa de R$ 1 bilhão”, diz Marcell, o que corresponde a mais de 10 mil títulos emitidos. “São mais de 15 mil produtores cadastrados e amparados que acessamos via 15 grandes clientes do agronegócio”, conta. 

Em 2024, a estratégia não vai ser atuar como concessor de crédito, como vinha fazendo mais recentemente, mas como intermediário nas operações, conectando fundos às carteiras de grandes empresas – sejam elas cooperativas, agroindústrias ou grandes distribuidores de insumos. “Este ano, a gente também vai lançar um cartão de crédito para o agronegócio com fatura a prazo safra”, destaca Salgado. 

Na foto, da esq. para direita: Felipe dAvila (CEO),  Cadu Mascarenhas (CFO) e Gustavo Silva de Andrade (CTO) (Foto: AgroForte)

Na Agroforte: consolidação no setor de aves e leite, entrada no corte e IA nos modelos 

Atendendo a cadeia da avicultura e do leite desde 2020, a Agroforte avançou a passos largos em 2023, concluindo o ano com presença relevante no B2B. A startup oferece a frigoríficos, laticínios, agroindústrias e cooperativas, análise de crédito de seus fornecedores integrados ou contratados. 

“Terminamos o ano com mais de 20 parcerias, entre agroindústrias, cooperativas e laticínios, e saímos de 7 mil produtores com crédito pré-aprovado no fim do primeiro semestre de 2023 para 30 mil produtores no final do ano”, afirma Felipe d'Avila, CEO da Agroforte e co-fundador ao lado de Cadu Mascarenhas (CFO) e Gustavo Silva de Andrade (CTO)  – que tiveram apoio de um follow-on dos principais investidores (Futurum Capital e The Yield Lab) no ano passado para manter esse ritmo de crescimento. Também são investidores Crivo Ventures e Kalei Ventures.

A análise do histórico dos produtores é feita com base nos dados fornecidos pelas empresas para 4 linhas de crédito: estrutura de produção, compra de animais, custeio e antecipação de recebíveis. “Financiar infraestrutura, o compost barn, a compra de novilhas para aumento de rebanho. Tudo isso ajuda a fidelizar o produtor e melhorar a produtividade, o que traz um ganho para a indústria também”, diz o empreendedor. 

Em 2023, a Agroforte respondeu por mais de R$ 50 millhões em crédito originado, por meio de 800 operações que impactaram cerca de 550 produtores, e a meta é no mínimo triplicar esse valor neste ano, originando de R$150 a R$200 milhões. Para tanto, a startup planeja entrar num novo mercado: da pecuária de corte. “São mais de 500 mil produtores e a ideia é dar crédito para custeio, infraestrutura, compra de animais e principalmente para adequações nas agendas de sustentabilidade dos grandes frigoríficos”, diz. O financiamento pode vir atrelado a projetos de rastreabilidade, bem-estar animal ou preservação de mata nativa nas fazendas, por exemplo. 

Outra novidade é que a startup está investindo para evoluir a modelagem de crédito no setor de leite, trazendo inteligência artificial para sua análise de risco numa parceria com a Embrapa. O projeto vai monitorar propriedades via satélite, para verificar o tamanho das fazendas, se o produtor tem alguma outra cultura, qual tipo de sistema utiliza (pasto, confinamento, compost-barn) etc. “Tudo isso traz novos elementos, além dos dados de produtividade que a gente tem, para modelar o crédito”, conta d'Avila. 

Luiz Tangari, Co-Fundador e CEO da Tarken (Foto: Tarken)

Na Tarken: novos módulos de serviço e apetite por crescimento acelerado

O ano de 2023 foi de reposicionamento e abertura de mercado para a Tarken, que pivotou em 2022 e entrou no último ano novo com alguns clientes testando a versão demo da sua plataforma. Hoje, com R$ 120 bilhões em pedidos passando pelo sistema, o que não faltam são motivos para comemorar.

O público-alvo da startup é o mercado de distribuição de insumos (sobretudo revendas e indústrias) que gira por ano na casa de R$ 1,8 trilhão no custeio de insumos, nas contas de Luiz Tangari, CEO da Tarken. Deste total, portanto, 6,5% já passa pela sua plataforma e a meta para 2024 é chegar a 18%. 

A plataforma da Tarken hoje é constituída de cinco módulos. No Workflow, que fechou o 2023 com 60 clientes, se dá toda a integração do fluxo de trabalho na ponta. Da ficha cadastral do produtor, passando pela aprovação de crédito até o recebimento, o fluxo acontece ali. Por este módulo, segundo Tangari, também é possível fazer consultas de rating e compliance ESG. Enquanto a ideia do rating é atribuir uma nota aos clientes para aprovação automática de limite de crédito, a ferramenta ESG faz a checagem automática de listas de restrições, seja de embargos, débitos ou desmatamento.

O Inspector é outro módulo da Tarken, e atualmente o carro-chefe em uso pelos clientes. Seu papel é dar o diagnóstico geral da saúde financeira dos produtores das revendas mediante consulta de CPF ou CNPJ. Essas consultas chegaram a 60 mil no último ano, tendo suportado as vendas de mais de 200 distribuidores. 

“Lançamos mais três produtos na plataforma na virada para 2024: o sistema de gestão de garantias, o radar [de oportunidades de vendas] e o raio X de portfólio, que prometem trazer uma experiência mais completa”, conta Tangari. De acordo com ele, a agfintech também irá intensificar a atuação na conexão dos seus clientes com bancos e fundos para buscar alternativas de financiamento. “Nesse sentido, já participamos de forma ativa na captação de algumas dezenas de milhões de reais”, diz.

Captação de investimentos dentro de casa não estão nos planos de curto prazo. Tangari lembra que a Tarken não foi a mercado em 2023 e conta que a empresa ainda tem 40% do funding original em caixa e que atingiu o break-even. “Somos orgulhosos de ser eficientes com capital aqui e nossos investidores valorizam isso também. Viramos janeiro de 2024 crescendo 25% ao mês e espero manter esse ritmo durante todo o ano”, diz. 

Contatos

Maurício Moraes

Maurício Moraes

Sócio e líder do setor de Agribusiness, PwC Brasil

Tel: 4004 8000

Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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