Maio 2, 2024
O campo está aberto para as soluções das startups, e o produtor rural tem a oportunidade de ensinar e aprender com as novas tecnologias (Foto: Adobe Stock)
Por Fernanda Cavalcante
Não há dúvidas de que a demanda por soluções sustentáveis no campo é uma realidade, que impulsiona não somente as fazendas, mas também o ecossistema empreendedor.
De um lado, a necessidade por regularização ambiental, formas de certificar a produção, provar as práticas adotadas, reduzir o uso de insumos e rentabilizar a floresta em pé são algumas das demandas mais latentes.
Enquanto, de outro, a oferta para apoiar esses desafios cresce sustentada pela tecnologia – seja ela de monitoramento remoto, passando por softwares de gestão e capacitação de pessoal até o uso de inteligência artificial para prever problemas antes mesmo de que eles aconteçam.
São vários os desafios que cabem ser solucionados, e de que forma essas soluções podem acelerar ainda mais no agronegócio? Neste artigo, discutimos os fatores que têm influenciado no sucesso da conexão entre produtores rurais e startups visando alcançar objetivos ambientais, sociais e de governança.
Este conteúdo é baseado no Live Talks “Startups & ESG: oferta e demanda pelas soluções no campo”, que contou com a participação de: David Escaquete (Membro do Conselho de Administração da Neocert), Paulo Castro (CEO e Co-fundador da TBDC, agtech de inteligência agronômica) e Roseli Giachini (produtora rural e Diretora de Núcleos da Agroligadas), em bate-papo mediado por Michel Franco, Coordenador de Startups do PwC Agtech Innovation. Confira os aprendizados:
1) Suje a botina e busque entender a realidade no campo - Ouvir o produtor rural é um dos compromissos mais importantes da agenda de quem quer desenvolver qualquer solução ESG para dentro da fazenda. Algo que pode parecer óbvio, mas nem sempre é colocado em prática, como alerta o empreendedor Paulo Castro, CEO e Co-fundador da TBDC.
Segundo Castro, ainda existe uma distância entre as soluções desenvolvidas em grandes centros urbanos pelas startups e a realidade dos produtores rurais. “Tem pouca gente disposta a ‘tirar a bunda da cadeira e sujar a bota’ para entender o que está acontecendo no campo”, diz, o que pode levar à criação de soluções desconectadas do campo, ou por vezes complexas e inadequadas ao dia a dia na lavoura. Assim, o ideal é buscar entender as dores e as demandas dos produtores rurais, que podem variar de acordo com o contexto do entorno e o perfil de cada um.
No caso da TBDC, que tem sede em Nova Mutum (MT), a preocupação com a proximidade do cliente motivou o desenho de uma solução simples com viés ESG. A startup desenvolveu uma plataforma de coleta de dados que leva em consideração as necessidades demandadas pelo profissional responsável por percorrer o campo.
O aplicativo é parecido com o WhatsApp e permite interações rápidas. “De nada adianta oferecer uma solução sofisticada, se ela for muito difícil de usar. O agro tem muitas oportunidades e potencial, mas as soluções devem ser pensadas para quem está na ponta”, afirma Castro, que hoje apoia operações como o manejo integrado de pragas nas propriedades e o controle de aplicações de insumos.
Michel Franco, Coordenador de startups do PwC Agtech Innovation, compartilha a importância de avaliar, nessas conversas com produtores, também se a tecnologia que será oferecida casa com: 1) a necessidade daquela fazenda específica e 2) com o nível tecnológico dos usuários. Ele cita o exemplo de produtores de leite que testaram uma nova tecnologia de manejo e, depois de ela falhar, se fecharam totalmente. “Se a solução chega fora de hora, o empreendedor pode acabar queimando não só a tecnologia dele”, diz – mas pode gerar uma aversão ao erro de mais longo prazo.
2) Seja simples e apaixonado pelo problema - Conhecer os desafios do campo se faz essencial para desenvolver qualquer solução ESG, que também não precisa ser complexa – pelo contrário. É sobre a máxima do empreendedor que criou o Waze, Uri Levini: “Apaixone-se pelo problema, não pela solução”.
Na Neocert, a experiência de campo dos fundadores fez a diferença na elaboração da oferta da startup para o mercado. Diferente de certificadoras tradicionais, que têm um calendário mais restrito de interações com os produtores rurais, a Neocert busca fazer avaliações continuadas. O objetivo é aumentar a frequência dos feedbacks e orientações ao cliente, para que ele avance de forma mais efetiva no processo de adoção de práticas sustentáveis.
Para a Neocert, tão importante quanto ter uma plataforma de Data Analytics no ar, foi entender que o produtor precisava traçar a radiografia do seu momento presente e ser informado dos próximos estágios da sua caminhada rumo a uma produção mais sustentável e eficiente.
“A nossa busca na Neocert sempre foi pela utilidade. Do ponto de vista do produtor, promover a valorização do seu produto e, do comprador, garantir um negócio seguro e o compromisso de que o fornecedor está livre de passivo”, diz David Escaquete, Membro do Conselho de Administração da Neocert, certificadora acreditada internacionalmente.
3) Alinhe as expectativas antes de começar os projetos - Entrar em um projeto e só depois descobrir que a solução estava em fase de teste, é outra falha de comunicação que não pode acontecer. Quando estão na mesma página, startups e produtores rurais podem se beneficiar mutuamente da parceria para desenvolver e testar soluções inovadoras.
Para os produtores, essas situações são a chance de fornecer feedback e ajudar a validar um produto que realmente gere valor para eles, além de ter acesso a novas tecnologias em primeira mão. No caso dos empreendedores, é uma forma de se conectar com demandas concretas.
O ponto é que essa parceria requer transparência e alinhamento de expectativas, pois nem toda solução se adapta a todos os cenários e perfis de produtores. Castro relembra que produtores com experiências negativas no passado, dificilmente voltam a fazer negócio com startups.
Roseli comenta que já teve experiências positivas e negativas com tecnologias no campo. Atualmente, ela usa uma plataforma que facilita o monitoramento dos seus talhões e as aplicações de insumos em taxa variável, que tem aumentado sua rentabilidade. Porém, ela também se decepcionou com uma solução de telemetria que não funcionava para seu tipo de maquinário, embora tivesse demonstrado resultados extraordinários em outra propriedade.
Hoje, a produtora participa do programa For Farms do PwC Agtech Innovation, que busca entender as necessidades do campo e selecionar as tecnologias adequadas para cada realidade. A iniciativa valoriza o relacionamento entre os produtores e as startups, criando uma parceria transparente e colaborativa desde os estágios iniciais dos testes de soluções.
4) Considere os ganhos indiretos do investimento em sustentabilidade - Investir em sustentabilidade no agronegócio significa adotar práticas que respeitem o meio ambiente, promovam o bem-estar social e garantam a viabilidade econômica. Mas como avaliar os ganhos do produtor ao incorporar uma nova solução ESG? Nas palavras de Roseli, “a inovação traz retornos que são intangíveis, mas ao mesmo tempo os produtores sabem o quão oneroso é não se atualizar”.
O retorno direto pode vir na forma de aumento de produtividade ou redução de custos. Foi o caso da plataforma que Roseli adotou para gerenciar a propriedade, que diminuiu o número de aplicações de químicos e aumentou a produção de soja por hectare.
Mas existem também os ganhos indiretos, que englobam os benefícios difíceis de se traduzir em números, como a melhoria da saúde do solo, da resiliência dos sistemas ou mesmo da imagem, reputação e relacionamento com clientes.
Segundo Escaquete, da Neocert, a certificação é uma forma de o produtor usufruir desses benefícios, trazendo transparência e evidenciando as ações que foram tomadas no campo. “Com a certificação, é possível demonstrar para a sociedade, empresas e os governos que sua produção tem um diferencial sustentável”, afirma.
Há ainda os ganhos de segurança, obtidos com tecnologias que o produtor adota para se proteger de possíveis prejuízos futuros capazes de comprometer sua atividade.
Roseli compartilha o caso de quando um diagnóstico ambiental foi essencial para seu negócio. “Aconteceu com a gente um fogo criminoso na propriedade e tivemos que fazer um aceiro [retirada de vegetação perto da cerca], e esse aceiro foi identificado pelo PRODES”, diz, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES). Como tinha a fazenda monitorada para fazer os diagnósticos ambientais, ela conseguiu provar a origem do fogo e a necessidade do aceiro – sem prejuízo ao seu Cadastro Ambiental Rural (CAR), necessário para acessar qualquer tipo de financiamento.
5) Não perca de vista a demanda do mercado consumidor - No agronegócio, uma forma de atender às demandas do mercado é acompanhar as duas pontas da cadeia: o produtor rural e o consumidor final. Na última milha, os consumidores estão cada vez mais exigentes em relação às práticas sustentáveis e ao bem-estar animal, enquanto o campo está se adaptando e introduzindo novas tecnologias.
Escaquete explica que houve uma mudança na forma de produzir, que antes era baseada na tradição familiar e agora é orientada pela busca de melhores práticas. “As empresas têm que trazer as exigências dos consumidores para o produtor, se a empresa quer vender um produto com selo de bem-estar animal, quais condições vai dar ao produtor para entrar nas conformidades?”, pergunta.
Por outro lado, a nova geração de produtores e sucessores é cada vez mais consciente da importância da sustentabilidade e da rastreabilidade na produção. Roseli conta que ela e seu marido fizeram um grande esforço para preparar a governança da propriedade, e que agora seu filho tem a preocupação de comprovar a origem e a qualidade de toda a produção.
6) Reconheça que o produtor rural brasileiro é inovador - Devemos valorizar a capacidade inovadora do produtor rural brasileiro, que é um engenheiro e inventor nato. Castro relata que, a cada propriedade que visita, encontra uma solução diferente que o próprio produtor criou para resolver um desafio que enfrentava. O empreendedor brinca: “Se existe alguém que precisa ser estudado pela NASA, é o produtor rural brasileiro”.
Além disso, o campo é aberto para as soluções das startups, como mostra o exemplo de Roseli, adepta de ensinar e aprender com as tecnologias que já passaram pela sua propriedade.
Quer saber mais? Assista ao Live Talks completo.