The Yield Lab Latam escaneia oportunidades em ag&food tech na América Latina, já com US$ 20 mi para investir

Kieran Gartlan compartilha a visão para os próximos investimentos na América Latina, especialmente no México, Brasil, Chile, Colômbia e Argentina

Maio 16, 2023

Kieran Gartlan: “Apesar das circunstâncias, é um bom momento para um fundo novo investir. Em tempos de crise, sempre nascem coisas boas, pois o barulho desaparece e fica o que soma valor” (Foto: YLL)

Por Marina Salles

Até o final de 2023, a gestora The Yield Lab Latam pretende captar US$ 50 milhões, lado a lado com investidores parceiros, para aportar em 30 startups de estágio inicial (seed a Series A/B) na América Latina e Caribe. Até o momento, o The Yield Lab Opportunity Fund já levantou mais de US$ 20 milhões. No recém concluído segundo fechamento do seu fundo, entraram o Grupo Bimbo (maior produtor mundial de pães), o BID Lab (braço de inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o SQM (produtor e desenvolvedor chileno de produtos de saúde, nutrição, energia renovável e tecnologia). A eles, promete se somar também o Latam Impact Fund, administrado pela Sonen Capital e o mexicano Fondo de Fondos.

Esses quatro novos investidores se juntam a produtores e empresas familiares da cadeia produtiva agrícola que participaram do primeiro fechamento do Opportunity Fund, incluindo a Surcos (empresa argentina de insumos agrícolas), Petrovina (empresa brasileira de sementes) e Damha Agro (empresa brasileira do ramo agropecuário). 

Em entrevista ao AgTech Garage News, Kieran Gartlan, Diretor do The Yield Lab Latam, conta: quais oportunidades o fundo tem mapeado no setor de ag&food tech na América Latina, o que vê de particular país a país e como está enxergando o cenário de investimentos — num mundo em que a inteligência artificial está em ascensão e as Big Techs passam por ajustes de rota, com demissões e aperto nas contas.

AgTech Garage News: Kieran, o The Yield Lab já tem um portfólio bem diversificado de ag&food techs. Com este fundo, o que vocês pretendem procurar de novo na América Latina?

Kieran: Eu acredito que somos uma das poucas gestoras de VC, dentro e fora do agro, com uma rede global de fundos. Estamos na América do Norte, Europa, Ásia e América Latina. E isso nos traz uma visão muito particular do mercado, das tendências e do que está acontecendo de novo em vários lugares do mundo. 

Tendo bases em todos os continentes e inteligência local, a gente consegue minimizar o risco de investir em algo numa geografia e depois descobrir que existia uma solução mais avançada em outra região. Também diluímos o risco país, por política, câmbio ou até mesmo questões climáticas e agronômicas.

Hoje, já está claro para a gente que nos países da América Latina há uma diversidade muito boa de perfis de empreendedores e de mercados. No México, vamos focar mais em investir em foodtechs. No Chile, em biotechs. Na Colômbia, a própria cultura do café cria um ambiente interessante de oportunidades. Já na Argentina e Brasil dá para olhar para um conjunto mais diversificado de setores, porque são dois países com forte cultura empreendedora e parecidos em certos aspectos, o que facilita levar a solução de um  para o outro. Então, respondendo diretamente, a gente vai mirar no que cada país tem de melhor e mais avançado para oferecer. 

AgTech Garage News: O que o México tem de especial em food?

Kieran: No México, é possível produzir alimentos de forma mais barata e eles têm ali do lado os Estados Unidos, onde estão os consumidores de produtos diferenciados e de alto valor agregado. Para mim, o mercado consumidor é chave em food. No Brasil, quem consome as soluções das foodtechs é um mercado limitado e nichado, ao contrário da Europa e dos EUA.

Fora isso, não vejo muito sentido em você ter uma startup plant based no Brasil que produz alimentos com ingredientes importados, como ervilha e lentilha, ou uma fazenda urbana, quando o clima te permite plantar o ano inteiro a céu aberto. 

AgTech Garage News: E qual o deve ser o foco dos investimentos do YLL em food?

Kieran: Estamos começando só agora, mas acredito que o lance esteja em ingredientes alternativos sem que a gente se limite a proteínas alternativas. No Brasil, acredito que essa seria, de fato, uma boa oportunidade, porque tem muita biodiversidade aqui e ingredientes naturais alternativos saudáveis. Quando os empreendedores focarem nisso, quem sabe o país até vire exportador para o mercado americano e europeu. Ao invés de copiar tendências lá de fora, o Brasil teria produtos novos para vender no exterior. 

AgTech Garage News: No Brasil, em quais verticais as startups do agro têm sido expoentes?

Kieran: Vemos que no Brasil o problema da maioria dos 5 milhões de produtores está relacionado a financiamento, a crédito. Daí as tecnologias com maior visibilidade atacarem esse nicho. A Terra Magna foi a primeira startup em que investimos no Brasil e que deu muito certo. 

Aí, uma vez que o produtor tem acesso a crédito de forma digital, se tem muitos dados sendo gerados na fazenda por meio do uso de tecnologia, o que amplia a transparência das operações agrícolas e abre caminho para outras soluções. É o caso de vender insumo online, transacionar a produção via marketplace, oferecer seguro ou compliance ESG. 

E com acesso a crédito também fica mais fácil incentivar o produtor a utilizar práticas mais sustentáveis. No passado, os bancos avaliavam o crédito do produtor baseados no histórico da pessoa física, sem acompanhamento em tempo real da safra. Nesse novo modelo, fomentado pelas agfintechs, eu sei que o produtor está investindo num insumo biológico e posso dar desconto numa linha de crédito verde para ele. Então, o ciclo fecha.

AgTech Garage News: Depois dessa onda do crédito e da digitalização, o que vem por aí?

Kieran: Acredito que a próxima onda de desenvolvimento das startups vai passar pela intensificação do uso de inteligência artificial. A IA Generativa está avançando muito rápido e pode se supor que o produtor no campo, que normalmente recorria a um agrônomo, não vai demorar muito para conversar com a IA pelo celular. Essas assistentes terão condições de dizer tudo o que ele precisa aplicar, os melhores produtos para cada caso, onde comprar mais barato, como fazer a logística e até qual cultura plantar, baseando-se em recomendações agronômicas e preço de mercado. 

Hoje, a IA tem acesso a toda informação possível e sabe cruzar dados de forma mais eficiente do que o ser humano, olhando ao mesmo tempo o mercado financeiro, de commodities, clima, doenças, pragas, produtividade, lucro. Sem que o produtor precise instalar nada no celular, essa realidade vai se aproximar mais rápido do que a gente imagina.

AgTech Garage News: Nesse movimento de transformação por meio da IA, você acredita que possa nascer uma Big AgTech que concentre grande volume de dados para tomada de decisão no campo?

Kieran: Pode ser que seja a própria Microsoft, detentora de uma participação relevante na Open AI, referência em inteligência artificial e dona do Chat GPT. Porque os dados necessários já existem, mas falta alguém para alinhar todas as peças. Talvez, o papel das startups do agro nesse novo contexto vá ser o de gerar os dados para alimentar essa IA. E uma Microsoft pode pagar por esses dados… são hipóteses. Porque investir em IA é algo para quem tem bolso fundo, e não vejo uma startup controlando esse mercado. Mas as ag&food techs podem sim fazer parte disso, gerando valor em termos de dados locais.

AgTech Garage News: Qual a sua avaliação do cenário atual para novos investimentos?

Kieran: Apesar das circunstâncias, é um bom momento para um fundo novo investir. Em tempos de crise, sempre nascem coisas boas, pois o barulho desaparece e fica o que soma valor. Sem contar que há ótimas oportunidades de investir barato e vender caro. Como o fundo é de 10 anos, temos tempo para esperar e recuperar o investimento. 

AgTech Garage News: Você diria que já conhece as startups em que vai investir com o dinheiro captado no novo fundo?

Kieran: De jeito nenhum! Provavelmente ainda não existem, nosso ciclo de investimento é de 5 anos, com 5 ou 6 startups por ano, total entre 25 e 30 startups. Por isso, investimos de forma colaborativa e vemos a necessidade de networking de investidores e parceiros para conhecer as startups quando precisam de ajuda na etapa inicial. Não queremos apoiá-las apenas com dinheiro, mas com networking.

AgTech Garage News: E de onde virão esses novos founders? Ouvi algo curioso recentemente: cabeça de engenheiro vazia é fábrica de startups, e vimos ondas de demissões nas Big Techs…

Kieran: Durante a pandemia acho que duas coisas ajudaram as agtechs. Primeiro, o engajamento digital virou realidade, já que o produtor passou a aceitar reuniões virtuais e demonstrações de produtos sem precisar do olho no olho. 

Segundo, o perfil do empreendedor mudou, com tantas pessoas trabalhando de casa e passando a valorizar outras experiências, além de um emprego estável. Estamos vendo executivos saindo de multinacionais, executivos que conhecem muito bem o mercado e que já sentiram dores reais na pele. Isso facilita a identificação de problemas em que vale a pena investir e empreender. 

No The Yield Lab, a gente gosta do empreendedor que conhece o mercado. Claro que o ideal é quem conhece o mercado e a solução. Mas, se  eu tiver que escolher, prefiro quem conhece o mercado.

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Maurício Moraes

Maurício Moraes

Sócio e líder do setor de Agronegócio, PwC Brasil

Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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