Gigantes de alimentos, Ambev e Nestlé, compartilham aprendizados na inovação aberta

Nas duas empresas, a regra é trabalhar em rede, se adaptar à realidade das startups, gerar retorno e centrar a inovação nas pessoas

Setembro 2, 2021.

Por Marina Salles

Inovar não é tarefa fácil, mesmo para uma grande empresa. E, talvez, seja até mais difícil para elas, que não raro são comparadas a grandes transatlânticos, muito mais difíceis de mover do que um ágil e rápido jet ski, como são as startups. 

Felizmente, o mercado está recheado de bons exemplos de gigantes que, apesar do tamanho, colocaram sua frota de lanchas na água, para desbravar o ecossistema de inovação. Dois cases dos mais inspiradores são das centenárias Nestlé e Ambev (Brahma + Antarctica).

Em painel do AgTech Meeting sobre “Como grandes corporações orquestram as diferentes possibilidades de relacionamento com o ecossistema de inovação”, nossa head de Learning & Experience, Dalana de Matos, mediou uma conversa profunda sobre as estratégias de inovação das duas empresas, com Ronald Delfino, gerente executivo de transformação digital de fábrica e manufatura da Nestlé, e Claudia de Mello Einhorn, gerente de ecossistemas de inovação da Ambev. 

No AgTech Garage, é a área de Learning & Experience que promove dinâmicas de aprendizado e educação sobre ferramentas que permitem implementar a inovação aberta, e auxilia as empresas parceiras do hub a desbravarem as oportunidades que o ecossistema oferece.

Começando pelos conceitos

Com um discurso muito sinérgico, Cláudia e Delfino destacaram que para inovar é preciso ter humildade, primeiro, dentro de casa. Para isso, tanto na Ambev como na Nestlé, o trabalho de aculturação das equipes e de explicação de conceitos como a própria “inovação aberta” fazem parte da rotina.  

A expressão, cunhada em 2003 pelo professor Henry Chesbrough, da Universidade de Berkeley, nos EUA, se refere à inovação colaborativa ou em rede. Isto significa dizer que as ideias para uma empresa melhorar um processo, criar um novo produto ou serviço, podem vir não apenas de dentro de casa, mas também de fora da organização — como de uma universidade ou startup, por exemplo. Nesse sentido, é que a inovação é ABERTA, embora não preveja, de forma alguma, abrir “segredos industriais” ou desenvolver algo publicamente.

Na Ambev, a jornada de Inovação Aberta ou Open Innovation (OI) começou em 2017, com o trabalho de clarear os conceitos relacionados ao tema, além de ensinar a melhor forma do time interagir com uma startup, conduzir o processo após uma primeira reunião e, sobretudo, adaptar a forma de pagamento e os contratos jurídicos à realidade dessas empresas disruptivas. 

“Não adianta você querer tratar uma startup como um fornecedor que tem grandes margens. Não tem como você querer diminuir o valor do contrato com uma startup. E essa aculturação da grande empresa, para ser um parceiro de escolha dos empreendedores, é constante e se renova. A gente tem fóruns sobre inovação aberta duas vezes por ano na companhia, e traz sempre assuntos novos”, diz Cláudia, reforçando que essa estratégia se faz necessária pelo ambiente em que estamos vivendo.

Precisamos saber realmente o que tem no mercado e precisamos trazer essas competências para complementar as nossas. É necessário ter humildade para ouvir o outro e fazer do ecossistema nosso ambiente de criação"

Na Nestlé, Delfino conta que o espírito é o mesmo. “O setor de compras não pode levar 90 dias para fazer o pagamento de uma startup, porque essas empresas muitas vezes não têm caixa e, nesse meio tempo, podem quebrar. As grandes organizações precisam se adaptar a essa realidade, nós fizemos isso. Tem todo um lado de apoiar e de ajudar a escalar a ideia, e embarcamos nessa onda porque queremos nos beneficiar da competência das startups no nosso portfólio”, afirma.

A estruturação da área de inovação

Cláudia conta que, no mercado em geral, é comum ouvir que, se você tem uma área de inovação dentro da sua companhia, é porque ela não é inovadora. Mas, na verdade, este costuma ser o primeiro passo para criar a autonomia necessária dentro das diferentes áreas para elas conseguirem inovar por conta própria. 

Em meio ao esforço de aculturação interno, a área de inovação da Ambev partiu, lá atrás, para entender como poderia auxiliar os outros departamentos da empresa, identificando seu momento e potencial. “O trabalho que eu faço com a área de vendas é completamente diferente do que eu faço com a área de logística. Para uma, levo uma inovação mais incremental, na outra, conseguimos implementar soluções mais disruptivas”, diz. Dentro desse modelo, a área de inovação da Ambev, que começou com três pessoas em 2017, tem hoje um time de cerca de 40 funcionários.

Frisando que não há receita de bolo para as grandes empresas inovarem, Delfino destaca que a Nestlé escolheu montar este ano uma plataforma de inovação aberta, batizada Panela, e acoplar aí diferentes programas. A plataforma fomenta parcerias com startups, a academia, parceiros empresariais e, até mesmo, seus colaboradores. Antes disso, em 2019, a companhia já havia organizado uma estrutura corporativa, com uma diretora no board focada em transformação digital e inovação, Carolina Sevisilk. 

“Nós temos um comitê uma vez por mês em que recebemos as ideias, e elas passam por um funil para o ciclo correr de forma mais ágil. Antes, fazíamos isso anualmente e não foi a melhor solução. Quando falamos na corporação como um todo, estamos com 56 iniciativas ativas com o ecossistema nesse momento”, diz Delfino. Os projetos envolvem de foodtechs a startups da área jurídica e de marketing. Com universidades, a empresa tem iniciativas que giram em torno da qualidade do leite e redução na pegada de carbono do cacau e café.

No âmbito da transformação digital para a Indústria 4.0, pilar ao qual Delfino está mais conectado na Nestlé, a decisão foi de montar ainda um escritório no Parque Tecnológico de São José dos Campos, para a empresa ficar mais perto da academia e do ecossistema empreendedor e, a partir daí, também acessar outros hubs de inovação. Somente no polo de SJC, há quatro universidades e 280 empresas, entre grandes corporações e startups. 

Centro de Inovação da Nestlé em São José dos Campos (Foto: Divulgação)

Segundo Delfino, toda essa estrutura foi montada com o objetivo de aumentar ainda mais a competitividade da Nestlé e dar flexibilidade às suas fábricas, o que está alinhado com a estratégia de negócios da companhia. “Temos que fazer desse modelo de inovação uma cultura. É isso que eu tenho buscado. Quando eu conseguir eliminar a minha posição, será o sinal de que o plano deu certo”, diz.

Inovação e retorno: como medir?

“A inovação pressupõe o erro, e é certo que você vai errar muitas vezes antes de entregar alguma coisa que seja realmente disruptiva ou que mude o ponteiro do negócio”, afirma Cláudia, mas isso não significa que a inovação não precise dar retorno, longe disso.

Na Ambev, de acordo com ela, a paixão por olhar os números das áreas e medir absolutamente tu-do é irremediável, embora na parte de inovação as métricas sejam diferentes. “Eu não posso medir inovação da mesma forma que eu meço o que está no dia a dia da empresa”, destaca a executiva.

Uma das métricas clássicas do setor é o potencial de receita ou de economia gerada por um novo processo, produto ou serviço. 

A questão é que as métricas de inovação não partem de uma ciência exata. “A gente está trabalhando muito com previsões, com o que pode vir a acontecer. Mas não cobramos a área pelo avanço naquela velocidade prevista no início. Ou pelo valor que se esperava. As ideias vão sendo amadurecidas ao longo do tempo e às vezes elas até pivotam”, diz. 

Ao trabalhar com inovação, é necessário haver, acima de tudo, flexibilidade. “Quando você aprova algo num conselho de inovação, isso pode muito bem evoluir dali um tempo. Não há nada que esteja escrito em pedra. Porque isso acabaria matando a inovação de uma certa forma”, argumenta Cláudia. Foi assim com o Zé Delivery, que surgiu como um projeto pequeno na Ambev, levou anos para se desenvolver e explodiu com o boom das entregas durante a pandemia.

Principalmente na frente de inovação com universidades, o mantra é “dar tempo ao tempo”. A Ambev, por exemplo, tem um centro de inovação no Rio de Janeiro, ligado à UFRJ, em que realiza apenas projetos de longo prazo. “A gente faz pesquisa e desenvolvimento de coisas que ainda não estão nem aprovadas para serem produtos, com a ideia de que, quando a aprovação vier, já estaremos com tudo pronto”, diz Cláudia.

É o caso de um projeto envolvendo a startup Speedbird Aero para fazer entregas por drone, o que hoje não é liberado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). “Esse é um exemplo de iniciativa em que se gasta mais dinheiro do que se retorna, até porque não podemos ter nenhum retorno com isso”, afirma. 

Na Nestlé, Delfino deixa claro que a linguagem da inovação é a dos negócios. “Claro que dentro dessa medição de resultados você também precisa tolerar alguns projetos com retorno ‘question mark’ [ponto de interrogação], que vão ter o custo do teste e podem não dar em nada. Dentro dos projetos que eu participo, você tem fácil, de 17% a 20% de mortalidade de ideias e tem ideias que vão ser longas. Isso faz parte do processo de inovação”, destaca.

O tempo médio de retorno do programa de Indústria 4.0 na Nestlé, por exemplo, é de 2,5 anos. Resultado considerado bom por Delfino, fruto de um universo de projetos de curto e longo prazo, com duração de até seis anos.

A Nespresso é um negócio que levou mais tempo, levou 20 anos para ser o que é hoje. A gente tem que pagar por algumas inovações para que isso vire algo representativo no futuro. São projetos muito bons que vão financiar os outros"

Na média, a maior certeza que os executivos têm é que a inovação, seja ela qual for, precisa estar centrada nas pessoas. “Eu tenho que trabalhar em torno da demanda das pessoas, entregar uma solução pensando nas pessoas. Tem que ser algo intuitivo, algo que facilite a rotina, seja dos consumidores seja do nosso time interno. Nas fábricas e escritórios da Nestlé, temos quatro gerações e elas precisam estar engajadas nesse processo”, conclui Delfino.

Para Cláudia, a responsabilidade social de gigantes como Nestlé e Ambev é proporcional ao seu tamanho, e daí a importância de inovar e manter as pessoas no centro para gerar impacto positivo. 

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Maurício Moraes

Maurício Moraes

Sócio e líder do setor de Agronegócio, PwC Brasil

Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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