Agosto 08, 2024
A escassez de água em plantas envolve relações morfofisiológicas complexas que demandam respostas adaptativas. (Foto: Divulgação)
Por Gustavo Soares Wenneck
Na produção agrícola, o rendimento das culturas está associado a fatores genéticos, ao ambiente de produção e manejo adotado. Elevada proporção das lavouras agrícolas, em especial culturas anuais como soja, milho, feijão e trigo, são cultivadas em sistema de sequeiro, nas quais a entrada de água no sistema de produção ocorre principalmente por meio de precipitações pluviométricas (chuvas).
Ao considerar as características climáticas das principais regiões de produção agrícola, as médias anuais e mensais tendem a apresentar balanço positivo, com taxa de precipitação superior à taxa de evapotranspiração. Na prática, porém, a teoria é outra.
O problema das taxas históricas de precipitação é que, em geral, não representam a distribuição ao longo do tempo, ou seja, em determinado mês chover mais e haver baixa distribuição, com precipitações restritas a poucos dias. Nessa condição, plantas cultivadas em sistema de sequeiro tendem a ser submetidas a períodos com déficit hídrico temporal com grau de intensidade variável conforme as condições do solo, espécie e condições ambientais.
De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), o estado do Paraná apresentou, entre os anos de 2023 e 2024, redução significativa nas safras de soja, milho e trigo, ocasionando frustração de produtividade e prejuízo econômico.
A escassez de água em plantas envolve relações morfofisiológicas complexas que demandam respostas adaptativas. Quando as plantas enfrentam condições de insuficiência hídrica devido à ausência de água no solo, ocorrem diversas respostas hormonais e fisiológicas para preservar seu potencial hídrico. Entre essas respostas, destacam-se o estímulo ao desenvolvimento das raízes e o fechamento dos estômatos, ambos em resposta ao aumento na síntese de ácido abscísico. Outro exemplo está relacionado ao incremento na eficiência instantânea de uso da água (EUAi) pelo ajuste na taxa de fotossíntese e transpiração.
O estresse hídrico não é simples, o solo constantemente passa por processos de entradas e saída de água. Além disso, há a interação da água com as partículas do solo, em especial com a fração argila, ocasionando diferenças de potencial (tensão matricial), alterando a porção de água disponível para plantas e a energia necessária para remoção da mesma.
Variação da sensibilidade entre plantas
As plantas apresentam variação na sensibilidade ao déficit hídrico em função de suas características. Plantas com elevada quantidade de área foliar tendem a apresentar elevada taxa de transpiração, pela área de contato entre folha e atmosfera.
Da mesma forma, plantas com baixo desenvolvimento radicular tendem a apresentar maior sensibilidade a condições de veranico (período prolongado sem chuvas) pela pequena proporção de solo explorada.
Já plantas C4, como milho, apresentam vantagem na eficiência de utilização da água em comparação a plantas C3, como a soja – esse fato se deve pela diferença no mecanismo de fixação do CO2.
De forma geral, o déficit hídrico em plantas pode ser definido como a condição em que a disponibilidade hídrica é inferior à quantidade adequada e impacta diretamente a produção. A condição adequada de reposição hídrica é baseada na evapotranspiração da cultura (ETc). Quando a reposição hídrica, natural ou artificial, é menor que a ETc é considerada como condição de déficit. Em contrapartida, quando a reposição hídrica é superior a ETc tem-se excedente hídrico.
Toda condição de déficit hídrico ocasiona perdas no rendimento?
O impacto da reposição hídrica nas culturas é tema de diversos estudos aplicados à ciência da irrigação, que visam definir o impacto na variação da reposição hídrico sobre o desenvolvimento e rendimento. Para as avaliações são realizados cultivos com imposição de déficit hídrico em períodos específicos ou durante todo o ciclo, ou ainda com diferentes graus de imposição de déficit.
Em condições com insuficiência hídrica fraca ou moderada, em que há déficit de 10 % da ETc até 30% da ETc, é verificado pouca alteração no rendimento, sendo resultado dos mecanismos que a planta possui para compensar a condição desfavorável de cultivo. É evidente que esse fator está relacionado a sensibilidade ao manejo hídrico. Nesta condição se tem uma elevação da eficiência de uso da água, ou seja, há redução do volume de água utilizado, mas a redução na produtividade é baixa ou não apresenta variação significativa.
As lavouras de sequeiro são aquelas dependentes exclusivamente da água das chuvas, em que a escassez hídrica é incontrolável, ao depender das condições meteorológicas e ambientais. No cultivo irrigado, por outro lado é possível utilizar uma variedade de sensores e ferramentas para monitorar e controlar a água no solo, aplicando o volume adequado no momento ideal para reposição hídrica. Embora a irrigação previna geralmente a insuficiência hídrica, esta pode ser imposta de forma controlada e estratégica para reduzir a demanda de água e os custos, sem comprometer significativamente a produtividade.
A adoção do controle estratégico da escassez hídrica baseia-se em pesquisas preliminares que avaliam os impactos dessa prática. Quando há disponibilidade abundante de água, tanto em quantidade quanto em qualidade, o déficit hídrico controlado pode ser implementado para aumentar a eficiência do sistema de produção. No entanto, em situações de restrição hídrica, essa técnica de manejo torna-se essencial para a viabilidade da produção agrícola.
Realizar o manejo com déficit hídrico requer análise técnica e sistêmica do ambiente de produção. Embora a deficiência hídrica controlada seja uma possibilidade de cultivo, não é passível de utilização em todos os níveis. De forma geral, com déficit hídrico acima de 30% da ETc, ou seja, realizando a reposição de 70% ou menos da demanda da cultura, já é considerado como déficit hídrico severo, e nesta condição há impacto direto sobre a produtividade. Estudo desenvolvido com a cultura da couve-flor, hortaliça de elevada área foliar e sensível ao manejo hídrico, obteve resultados semelhantes entre a reposição de 70 e 100% da ETc enquanto sobre a reposição com déficit severo (40 % da ETc) a redução foi severa.
Plantas cultivadas sob déficit hídrico severo apresentam redução drástica no desenvolvimento morfológico, refletindo também na produtividade final. Embora existam mecanismos nas plantas para mitigar efeitos de condições desfavoráveis de cultivo, estes não permitem a compensação total do estresse ocasionado, gerando a consequência da perda.
Em algumas culturas a imposição de déficit hídrico pode ser adotada para induzir a características de interesse, como, por exemplo, em plantas medicinais e aromáticas, que a adoção de déficit hídrico durante o cultivo pode ser realizada para alterar as concentrações de compostos secundários ou bioativos de interesse. Também é aplicado para condição de produção de óleo essencial, em que o rendimento da planta em massa fresca pode ser diferente do rendimento de óleo.
É possível atenuar os efeitos do déficit hídrico?
Diversas pesquisas são realizadas com o intuito do desenvolvimento de técnicas de manejo para reduzir os efeitos do déficit hídrico. As técnicas envolvem o tratamento magnético da água, seleção de materiais com maior tolerância, utilização de coberturas no solo, indução de resistência e aplicação de elementos benéficos.
Em relação à aplicação de elementos benéficos, o silício (Si) e selênio (Se) apresentam destaque em termos de resultados obtidos e potencial de utilização. Si e Se não são essenciais para o desenvolvimento das plantas, mas sua utilização ocasiona benefícios e vantagens no contexto produtivo. Os elementos apresentam potencial de utilização no Brasil, pelo baixo teor natural do elemento nos principais solos utilizados para produção agrícola.
Pesquisas desenvolvidas no estado do Paraná com a utilização de silício obtiveram resultados significativos em relação ao desenvolvimento morfológico, aspectos fisiológicos, produtividade e pós-colheita em espécies que tipicamente não apresentam tendência de acúmulo do elemento, indicando o potencial de adoção em diversas culturas.
A condição de déficit hídrico na produção vegetal é frequentemente encontrada no campo, gerando desafios produtivos. Aspectos relacionados à utilização da água pelo setor agrícola apresentam relevância, sendo exigido dos envolvidos (produtores, profissionais e pesquisadores) o desenvolvimento de técnicas e manejos que permitam reduzir a demanda hídrica e incrementar a produção.
Gustavo Soares Wenneck
é engenheiro agrônomo, Doutor em Agronomia com ênfase em Produção Vegetal. Professor e pesquisador do Centro Universitário Integrado.