Maio 07, 2024
Por Leonardo Lima
Sigo inconformado com a pouca importância que, em geral, damos à água. E os números sobre a situação crítica no mundo são tão eloquentes que reforçam minha tese de que estamos sentados em cima de uma bomba atômica. Talvez porque a voz de quem mais precisa não ecoe a ponto de trazer as mudanças tão urgentes e necessárias – o que me leva a aproveitar todas as oportunidades que tenho para falar a respeito, incluindo esta coluna no PwC Agtech Innovation News.
A água é vital para tudo, incluindo a agricultura. Sem água potável, não teríamos o que beber, nem o que comer. Conforme o Banco Mundial, a agricultura responde por 70% da retirada de água doce do seu curso natural e a tendência é que a demanda cresça nos próximos anos para atender a uma população também crescente. Hoje, apenas 20% da agricultura no globo é irrigada, contribuindo com 40% da produção mundial de alimentos.
Mas não quero falar somente de números e de contexto, mas da importância de olhar para alternativas tecnológicas que possam maximizar a eficiência e o uso sustentável da água nos processos agrícolas. Porque, como sempre, acredito que é despertando a consciência que levamos à ação, para fazer algo a respeito desse desafio durante nossa passagem pela Terra.
Difícil de entender e assimilar a afirmativa acima quando o nosso cérebro, irrigado por sangue, vê algo muito diferente do que recebemos como informação técnica e científica. Vivemos em um planeta chamado Terra, que conta com dois terços da superfície recoberta por água, distribuída por oceanos de uma imensidão incrível, que aparecem em toda e qualquer imagem tirada do espaço. É natural que a água pareça ser um bem infinito. O que o nosso cérebro não distingue, porém, é que essa enorme quantidade de água não está disponível para consumo humano. Sim, acredite, não está disponível.
Somente 2,5% da água do planeta é o que chamamos “água doce”, conforme dados oficiais. Os 97,5% restantes são de água salgada ou com outros minerais e que, dessa forma, não pode ser consumida ou utilizada, por exemplo, na agricultura para produção de alimentos. Para tanto, precisaria ser tratada, algo economicamente inviável na maioria dos casos hoje (o que esperamos que mude no futuro).
Outro detalhe importante é que 69% da água doce da Terra está armazenada na forma de gelo nas geleiras e calotas polares, enquanto os outros 30% são de águas subterrâneas. Isso deixa apenas cerca de 1% de água doce da Terra prontamente disponível para consumo humano nos rios.
Mais um dado relevante é que a água não está igualmente distribuída no planeta. Não temos uma porção de água garantida para cada um dos 8 bilhões de moradores da Terra, embora seja um direito adquirido conforme veremos mais adiante. Brasil, Rússia, Canadá, Indonésia, China, Colômbia e Estados Unidos possuem a maior parte dos recursos superficiais de água doce do mundo, de acordo com a National Geographic. E, mesmo nestes países, o acesso à água não é realidade para todos.
A água é finita e o volume que circula no ciclo hidrológico da Terra é o mesmo desde o início, nem uma gota a mais ou a menos. O que vem mudando é o uso que fazemos dela. A Organização das Nações Unidas relata que o consumo de água doce aumentou seis vezes no último século e continua a avançar a uma taxa de 1% ao ano, fruto do crescimento populacional, do desenvolvimento econômico e das alterações nos padrões de consumo.
Quase dois terços da população mundial enfrentam escassez de água pelo menos um mês por ano segundo as Nações Unidas e, até 2030, a procura global por água terá excedido o abastecimento sustentável disponível em 40%. Em 2022, 2,2 bilhões de pessoas em todo o mundo já não tiveram acesso a água potável de forma segura.
A falta de acesso e a necessidade de consumo de água suja e imprópria para consumo, leva a mais de 3 milhões de mortes todos os anos.
No Brasil, o Instituto Trata Brasil na sua décima sexta edição do ranking do saneamento, informa que a falta de acesso à água potável impacta quase 32 milhões de pessoas e cerca de 90 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto.
Ao ler os dados acima, compartilho minha reflexão: considerando a população global de 8 bilhões de pessoas e a população brasileira com seus mais de 200 milhões de habitantes, os números são altamente desafiadores para que possamos atingir a meta de garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos até 2030.
Um dos marcos recentes mais importantes foi o reconhecimento, em julho de 2010, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, do direito humano à água e ao saneamento. A Assembleia reconheceu que cada ser humano precisa ter acesso a água suficiente para o seu uso pessoal e doméstico, o que significa entre 50 a 100 litros de água por pessoa por dia. A água deve ser segura, aceitável e acessível. Conforme a Organização Mundial da Saúde, o tempo de coleta não pode superar 30 minutos e a fonte de água deve estar a no máximo 1.000 metros da residência.
A economia de água na agricultura contribui para o abastecimento da população e de outros setores, e também é fundamental para o Brasil e o mundo enfrentarem as recorrentes crises hídricas. Vale recordar que, em 2021, 5 Estados brasileiros enfrentaram a pior seca dos últimos 91 anos (sendo eles: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná – todos com alta representatividade para o agro no país).
Nos próximos parágrafos, vamos mergulhar nas soluções que estão ao alcance do agronegócio para apoiar o uso eficiente da água.
Afinal, para as fazendas se tornarem mais sustentáveis, há uma série de ações que podem ser adotadas, a depender dos sistemas produtivos e do clima local, assim como uma série de tecnologias que podem apoiar essas práticas.
Técnicas para economizar água na agricultura
Plantio por terraceamento
O plantio por terraceamento é uma técnica de conservação de solo que evita a erosão hídrica, ou seja, a degradação do terreno pela chuva. Esse método potencializa o uso do solo e contribui, ainda, para a recarga de aquíferos, colaborando para a economia de água.
Irrigação por gotejamento
Muita água se perde durante os processos de irrigação da lavoura, seja por meio da evaporação, da falta de manutenção das tubulações ou baixa precisão da rega. Uma técnica eficiente para economia de água é a irrigação por gotejamento, que consiste em aplicar o recurso natural de maneira lenta e localizada, nas raízes da planta, seja via superfície ou pelo subterrâneo.
Crédito da foto : Sou Agro
Técnicas de cobertura morta
Outra forma de economizar água na agricultura é criar condições para o solo reter umidade por mais tempo. Nesse sentido, distribuir resíduos vegetais, como palha, ao redor da plantação auxilia na conservação desse recurso. Tal técnica é chamada de cobertura morta, ou mulch, sendo também conhecida como “plantio direto” e ajuda a impedir o crescimento de ervas daninhas na lavoura.
Armazenamento de água da chuva
O uso de cisternas, reservatórios, barragens subterrâneas, entre outros métodos, é uma das formas de a propriedade aproveitar a água da chuva. Isso é fundamental para períodos de estiagem e, também, contribui para a economia no consumo.
Aquaponia
A aquaponia oferece uma solução para a escassez de água. Este sistema resulta da combinação da aquicultura (prática da piscicultura) e da hidroponia (cultivo de plantas em água sem solo). Em algumas explorações agrícolas integradas, estes sistemas podem reduzir o consumo de água em 90% em comparação com a agricultura tradicional.
Agricultura regenerativa
Para se adaptar às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, reduzir emissões de gases de efeito de estufa (GEE), especialistas e agricultores estão agora explorando a “agricultura regenerativa”. Este manejo visa melhorar a saúde do solo, aumentar a biodiversidade e favorecer o ciclo hidrológico, mirando a longevidade dos sistemas produtivos e a sua resiliência frente aos estresses climáticos.
Plantio de culturas resistentes à seca
Os agricultores podem aumentar a produtividade das suas culturas por unidade de água cultivando espécies bem adaptadas ao clima local. As culturas resistentes à seca são particularmente vantajosas no sentido de: reduzir o risco de fracasso das colheitas durante períodos de escassez de água, aumentar a estabilidade econômica dos agricultores e potencializar a resiliência geral dos sistemas produtivos. Alguns exemplos de culturas tolerantes à seca e que otimizar o uso da água são: o sorgo, algodão branco e o colorido, gergelim, amendoim, mamona e o milho, para citar algumas delas.
Agricultura de sequeiro
A produção agrícola brasileira poderia aumentar expressivamente com a redução do déficit hídrico em áreas de sequeiro, o que depende não só de chuvas abundantes e bem distribuídas, mas também de manejo adequado do solo e da água nas propriedades rurais, conforme especialistas da Agência Nacional de Águas (ANA). Conforme o estudo Uso da Água na Agricultura de Sequeiro no Brasil (2013 - 2017), boas práticas de manejo do solo, em especial as que facilitam a infiltração e o armazenamento da água, contribuem para o uso eficiente dos recursos naturais em áreas de sequeiro, a exemplo da aração, plantio direto, adubação, curvas de nível etc.
Credito da foto : Summit Agro Estadão
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) entende a agricultura conservacionista como um sistema de agricultura que promove a manutenção da cobertura permanente do solo, o mínimo de perturbação ou plantio direto e a diversificação de espécies de plantas. Estas práticas criam uma camada protetora na superfície que ajuda a reter umidade, sendo particularmente benéfica em regiões com disponibilidade limitada de água ou condições de seca frequente. Ao minimizar ou eliminar manejos que perturbam o terreno, a lavoura de conservação ajuda a manter a estrutura do solo e a matéria orgânica, reduzir o escoamento de água e prevenir a erosão.
Plantio de culturas de cobertura
As culturas de cobertura desempenham um papel vital na proteção do solo nu contra a perda de água e compactação, fornecendo uma camada protetora que reduz o impacto da erosão eólica e hídrica. Também competem com as ervas daninhas por água e nutrientes, ajudando a controlar o crescimento dessas plantas e reduzir potencialmente a necessidade de uso de herbicidas e outros insumos químicos. Plantadas entre ciclos de culturas primárias, melhoraram ainda a fertilidade do solo e a retenção de água.
Agricultura orgânica
A agricultura orgânica abrange um conjunto de técnicas agrícolas que priorizam o uso de métodos e materiais naturais para promover a fertilidade do solo, reduzir a dependência de produtos químicos sintéticos e conservar a água. A rotação de culturas é uma das técnicas associadas, na medida em que a diversificação das culturas plantadas ao longo do tempo reduz o risco de esgotamento de nutrientes e acúmulo de pragas, promovendo solos mais saudáveis que podem reter melhor a água.
A tecnologia também é uma aliada para tornar a agricultura mais eficiente e sustentável. Sensores digitais de Internet das Coisas (IoT), drones e inteligência artificial (IA) são algumas das ferramentas que podem auxiliar na racionalização do uso da água ou mesmo de outros insumos.
Internet of Things (IoT), Big Data e irrigação inteligente
A Internet das Coisas (IoT) é uma das ferramentas disponíveis com potencial de conectar máquinas e sensores nas fazendas e permitir tornar direcionar processos pela informação, bem como aprimorar cada aspecto da gestão agrícola. O grande diferencial da IoT é que os produtores podem utilizar diferentes tipos de sensores inteligentes para extrair inputs da lavoura remotamente. Esses dispositivos, uma vez instalados, coletam dados de forma cíclica, proporcionando um panorama completo e atualizado sobre todos os detalhes do campo. Isso possibilita reagir rapidamente a problemas, mesmo os mais urgentes.
Na prática, falamos de uma tecnologia com enorme potencial de:
Observação: registro de dados sobre colheitas, solo, clima e atmosfera (e também gado, no caso da agropecuária).
Diagnóstico: integrados a plataformas avançadas de data analytics e business intelligence, dados processados na nuvem se transformam em insights.
Tomada de decisão: uma vez que problemas são identificados, os próprios sistemas, alimentados por algoritmos avançados e machine learning, se baseiam no histórico e no banco de dados para determinar os tratamentos mais eficazes.
Além disso, a IoT possibilita que qualquer fazenda também adote tecnologias de agricultura de precisão, tornando suas colheitas cada vez mais rentáveis, o que leva a menos desperdícios e perdas de vários recursos, incluindo os hídricos.
A irrigação inteligente baseada em IoT, por exemplo, é uma forma de utilizar de forma mais eficiente os recursos hídricos em uma lavoura. Neste caso, a frequência e quantidade de água utilizada na rega são estipuladas por meio da análise de dados, de forma automática ou semiautomática. Isto é possível graças a dispositivos que coletam dados sobre umidade do solo, umidade do ar, previsão do tempo etc. Assim, o sistema de irrigação aplica água na proporção correta, de acordo com cada lavoura, evitando desperdícios e contribuindo para o crescimento saudável das culturas.
O big data, pano de fundo do smart farming, também é essencial para que os dispositivos de IoT funcionem e enviem dados de maneira contínua. É por meio desse montante de informações que as fazendas poderão monitorar cada aspecto da sua produção, sabendo exatamente quando e como agir.
Com sensores climáticos instalados na propriedade, o produtor também pode ter acesso a um monitoramento meteorológico em tempo real - tendo visão da precipitação, nível de radiação solar, temperatura e umidade relativa do ar, entre outros indicadores 24 horas por dia. O resultado pode vir na forma de economia de água, mas também no planejamento das atividades da lavoura como um todo.
Inteligência artificial e a agricultura preditiva
Como uma tecnologia que serve de guarda-chuva (e base) para tantas aplicações, a inteligência artificial tem sido quase onipresente no smart farming. Basicamente, todas as inovações possuem algum recurso de IA ou conversam com ela.
Uma aplicação direta são os robôs de plantio e colheita, que se aproveitam da IA para mapear áreas no campo que demandam foco, seja pelo maior ou menor grau de fertilidade do solo ou nível de maturidade das culturas. Na fase de tratos culturais, robôs também já trabalham com precisão usando a IA para reduzir aplicações de agroquímicos.
E os próprios sistemas de gestão agrícola utilizam IA para aprender com os dados de safras passadas (e das estações), oferecendo insights cada vez mais significativos para os produtores.
Sem dúvida, o próximo e importante salto do agro acontecerá com a ajuda da inteligência artificial (IA) para promover a agricultura preditiva. Por meio de informações captadas via IoT, bots inteligentes poderão ajudar a responder perguntas complexas e que determinam o futuro do agronegócio, como: qual a melhor cultura e semente para eu plantar em cada talhão e em que época? Ou a melhor opção para o controle de pragas considerando o grau de infestação?
Fonte: stylourbano
Drones e o mapeamento digital da lavoura
Com uma visão granular do que acontece na lavoura, os drones se tornaram ferramentas importantes para aferir, com mais precisão, o que o monitoramento remoto não era capaz de enxergar no detalhe.
Hoje, suas aplicações são das mais diversas, como: medição do estoque de matéria orgânica no solo; teor de nitrogênio; mapeamento de drenagem; índices de saúde das plantas, altura e contagem das mesmas; visão das ervas daninhas; mapeamento de lagoas e rios; previsão de rendimento, entre outras várias situações, como a própria vigilância das terras.
Foto: NetWord Agro
Felizmente os drones não são uma exclusividade de grandes fazendas. O smart farming como um todo pode ser aplicado a operações em diferentes escalas, agregando valor à cada uma delas. Drones têm sido usados de maneira a agilizar, otimizar e melhorar a qualidade da gestão no campo, incluindo a gestão da água, seja em lavouras de hortaliças ou soja.
O mapeamento da fazenda digitalmente – seja por sensoriamento remoto, imagens de satélites, uso de drones agrícolas, entre outras técnicas – proporciona um conhecimento mais preciso sobre a lavoura. É possível economizar na aplicação de insumos, como pesticidas e herbicidas, já que o monitoramento ajuda a identificar o aparecimento de pragas, permitindo que os defensivos agrícolas sejam aplicados somente quando necessário e apenas nas áreas afetadas. Essa economia colabora diretamente com a redução do uso da água, já que muitos desses agentes químicos precisam ser diluídos antes da aplicação.
Foto: Portal Embrapa
Uma das tendências para os próximos anos é a automação do maquinário, como tratores, colheitadeiras e semeadeiras.
De acordo com os dados de sensores conectados, GPS e análise de imagens, já tem sido possível controlar equipamentos de forma remota e realizar as atividades de maneira mais precisa.
Armazenar as informações coletadas a cada segundo, por centenas ou milhares de dispositivos espalhados em uma fazenda, contudo, não será uma missão para um banco de dados físico.
É preciso capacidade ilimitada e de toda flexibilidade que apenas a cloud computing permite. Para integrar sistemas e dispositivos remotos, inclusive, a computação em nuvem será essencial, pois é o que servirá de “chão” para a criação de uma infraestrutura digital.
Outro ponto é que é na nuvem que os aplicativos próprios para as tarefas da fazenda estarão hospedados. Em conjunto com tecnologias como o 5G, o uso de veículos autônomos tende a se tornar acessível no campo a longo prazo.
A agricultura do futuro depende do uso sustentável da água, e as modernas tecnologias que estão surgindo são um componente crítico desse movimento. Ao garantir que as culturas tenham acesso a água limpa, os agricultores podem melhorar o rendimento das lavouras, reduzir custos e minimizar o impacto ambiental.
A agricultura inteligente oferece uma maneira de enfrentar esses desafios, ajudando os agricultores a produzirem mais alimentos com menos recursos, reduzir o desperdício e garantir um fornecimento seguro de alimentos para as pessoas em todo o mundo.
Foto : Totvs
Espero que quem tenha chegado até aqui possa levar adiante a mensagem de que existe um desafio importante pela frente. Por outro lado, longe de ser pessimista, quero lembrar que temos soluções disponíveis e ao nosso alcance. Tudo é sobre entender a urgência e agir, porque já é passada a hora de deixar a água escorrer por entre as nossas mãos.