Julho 7, 2022
Por Renato Seraphim
Sempre me questionei em relação aos avanços da transformação digital sobre os negócios, e principalmente sobre o agronegócio brasileiro. Eu não canso de afirmar que o agronegócio é o setor mais dinâmico e competitivo da economia do nosso país e, para seguir nessa trilha, precisa, sem dúvida, se modernizar. Mas aí surgem os questionamentos: De que forma as empresas podem fazer uso de tecnologias digitais para continuar na vanguarda do mercado? De quais tecnologias estamos falando? E quais as que devo priorizar? Como formatadores do agro do futuro precisamos estar a par dessas tecnologias e nos atualizar.
Até hoje, a melhor provocação que vi para entender melhor a transformação digital veio de um webinar promovido pela consultoria Gartner, que tratava das 9 atividades essenciais para inovar com sucesso (ou “The 9 Essential activities for successful innovation”, em inglês). Ali, eles faziam a seguinte pergunta:
— O que queremos com essa tal de transformação digital?
E para essa pergunta há duas únicas respostas possíveis, que são chave para decidirmos quais ações devemos tomar. De duas uma:
1) Queremos otimizar nosso negócio.
OU
2) Queremos transformar nosso negócio.
Se queremos otimizar o nosso negócio e o nosso problema for relacionado a: prover automação; aumentar a produtividade e as receitas pré-existentes por meio de uma melhor orquestração de dados; melhorar a experiência do cliente com maior empoderamento, customização ou personalização, devemos ter isso claro. Mudanças incrementais podem ser suficientes para avançar nos nossos desafios e seguir adiante.O importante é não ficar parado e se relacionar com o ecossistema de inovação.
Agora, se quisermos transformar o negócio digitalmente, devemos pensar em novos modelos de geração de receita, a exemplo de marketplaces digitais que vão ao encontro da experiência do consumidor com a nossa marca no ambiente virtual. Ou lançar produtos nativos digitais, conectar serviços online e até adquirir empresas que já desenvolvem ou oferecem serviços com esse tipo de característica. Da mesma forma, estar perto de empresas disruptivas, como as startups, ajuda muito no processo, à medida que encontramos soluções prontas para acelerar a transformação digital.
Ser pragmático, portanto, é fundamental. Então, não tenha pressa e foque em responder a pergunta acima. Ter a resposta na mão evita desperdício de recursos e de tempo. A transformação digital é indispensável hoje para aumentar a competitividade de qualquer empresa no mercado, você só precisa entender seu porquê.
Mas, se ainda não está convencido, vale a pena explorar um pouco mais esse universo. Vamos juntos. Nas minhas pesquisas, encontrei informações relevantes que quero dividir com você.
Dados levantados pela Tata Consultancy em 2020, por meio da pesquisa Preparação digital e covid-19: avaliando o impacto (ou “Digital Readiness and covid-19: Assessing the Impact”, em inglês) mostram que:
[Por isso, a busca por oferecer experiências únicas e integradas (online e offline) será a chave do sucesso daqui em diante, é isso que o consumidor deseja.]
O processo de transformação digital precisa ser acompanhado, ainda, de uma mudança estrutural na cultura das equipes e da liderança. É necessário entender a rotina dos times, seus processos, os produtos e a experiência do cliente. Para além da organização, outros três pilares sustentam a transformação digital, compreendendo:
Dito isso, quero compartilhar nesse artigo 7 tecnologias digitais para utilizarmos e alavancarmos ainda mais o agronegócio brasileiro nos próximos anos, seja do ponto de vista dos novos modelos de negócios ou da otimização de processos.
Atualmente em sua terceira geração, o JAV estreou na Agrishow em 2010 (Foto: Jacto)
Os veículos de uso no campo sem cabine e sem auxílio de um operador para guiá-lo, já são uma realidade que vem sendo muito bem recebida e utilizada por agricultores dentro e fora do país. Além de proporcionar a realização de operações de maneira uniforme, esses equipamentos também apresentam certa facilidade de uso, já que podem ser controlados e programados para exercer atividades por tablets ou smartphones e ser monitorados a todo o momento através de satélites.
Ainda que o sonho de ter um carro auto dirigível nas estradas e ruas de todo o mundo esteja próximo, com protótipos já criados e em funcionamento para teste desde 2019, no campo essa é uma realidade mais viável. Afinal, do ponto de vista da regulamentação e operação nas fazendas, o processo é mais simples, por conta do fluxo de pessoas ser mais restrito.
A largada já foi dada e empresas como Jacto, John Deere, Case, entre outras, estão investindo milhões de dólares nesses veículos. Mais uma vez, é o modelo de transformação digital inspirando centenas de empresas a se especializarem em categorias diversas. No combo das soluções que acompanham os veículos autônomos, há também um mar de oportunidades para fornecedores de câmeras e radares, de sistemas de gestão de frota, inteligência artificial, mapas, monitoramento de cargas, entre muitas outras tecnologias.
A conectividade tem o potencial de aumentar os ingressos do agronegócio (Foto: CNA Wenderson AraujoTrilux)
Outra tecnologia que vai contribuir drasticamente para a transformação digital no agronegócio é o acesso à internet, seja o 3G, 4G ou 5G. A internet de alta velocidade promete ter papel relevante na oferta de serviços e infraestrutura e deve incentivar o uso massivo de dispositivos conectados.
É o caso dos dispositivos e sensores de internet das coisas (IoT) com comunicação direta com smartphones e aplicativos mobile, instalados no campo e nas unidades de produção, dos drones, estações climáticas, silos inteligentes, sensoriamento de imagem, predição de pragas e doenças, sem falar na irrigação inteligente
Nos próximos quatro anos, estima-se que o agronegócio pode ter um acréscimo significativo em suas receitas. Com apenas 23% da área rural coberta com sinal de internet hoje, o Valor Bruto da Produção (VBP) da Agropecuária alcançou R$ 1,21 trilhão em 2021, conforme estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em um cenário em que seriam instalados 4,4 mil conjuntos de torre-antenas, no prazo de dois anos, para atingir 50% de cobertura, o impacto adicional no VBP seria de R$ 47 bilhões. Já em quatro anos, com 15.182 conjuntos torres-antenas, a conectividade poderia iluminar 80% a 90% da zona rural e adicionar R$ 102 bilhões ao VBP do agro. Essas perspectivas estão no relatório “Cenários e perspectivas para ampliar a conectividade no campo”, organizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
No agro, a inteligência artificial vem para acelerar e automatizar processos (Imagem: Canva/kalhh/Pixabay)
Robôs que escrevem notícias para jornais, revisam contratos jurídicos e até substituem agrônomos e veterinários em algumas funções também já existem e vão se multiplicar. A inteligência artificial é realidade em diferentes contextos e tem potencial de impulsionar principalmente os mercados latino-americanos graças a um significativo ganho de eficiência. Segundo estudo da Accenture Research, o benefício econômico da IA para o Brasil, em termos absolutos, pode agregar US$ 432 bilhões ao Valor Agregado Bruto (VAB) em 2035.
De olho nas oportunidades e vantagem competitiva que esta tecnologia gera, 37% das empresas brasileiras estão usando IA em suas estratégias de atendimento, 35% para automação de processos e 28% para segurança, segundo estudo encomendado pela IBM e conduzido pela Morning Consult. No ranking mundial de uso da tecnologia, o Brasil está em 39° em uma lista de 62 países, de acordo com o Insper.
No agronegócio, a inteligência artificial já permite o monitoramento de lavouras por imagens de satélite; a pulverização inteligente usando tratores, drones e aviões; a geração de estimativas de produtividade mais precisas e a irrigação pensada para acontecer no volume certo na hora certa. No passado, as decisões eram tomadas com a intuição. Hoje, são fruto de análises de dados, muitas vezes feitas por modelos de inteligência artificial.
A impressão 3D também está entre as tecnologias que promoverão a transformação digital no agronegócio nos próximos anos. Segundo o Goldman Sachs, existem dois formatos de modelagem de objetos: o Fused Deposition Modeling (FDM) e o Stereolithography (SLA).
O FDM é feito totalmente por computador usando um sistema de camadas sobrepostas, compiladas por um software de impressão. Já o SLA cria o objeto por meio da solidificação da resina em contato com a luz emitida por um raio laser.
Com possibilidade de reduzir em até 65% os custos da fabricação de produtos, protótipos, peças de reposição ou outros, a impressão em 3D tem sido empregada na impressão de pequenas peças de reposição para tratores e maquinários agrícolas. Além disso, os agricultores podem imprimir ferramentas de trabalho, instrumentos e acessórios para atender a necessidades pontuais e criar protótipos para testes. Aplicações assim já acontecem lá fora e os relatos estão em publicações como Farm Progress, My Farm Life e Global News.
A impressão 3D também pode ser empregada na produção de próteses para animais, na construção de bebedouros e peças para equipamentos de irrigação. Todas essas possibilidades devem contribuir para aumentar a produtividade, reduzir os custos e tornar o processo de produção agrícola mais eficiente. Mas não é só isso. No futuro, com o avanço da tecnologia e o seu barateamento, pode ser possível imprimir os componentes necessários para erguer até estruturas como estufas, armazéns, granjas e edifícios.
A Realidade Aumentada nada mais é que a tecnologia que permite aproximar o mundo real das dimensões digitais. Por meio de dispositivos tecnológicos como smartphones, câmeras e tablets, é possível criar um ambiente real capaz de manipular objetos virtuais para cumprir uma determinada tarefa ou atividade.
Fundada em 2016 nos Estados Unidos, a startup Plant Vision, que integra o grupo Huxley Technologies Inc., permite que a IA e RA trabalhem em conjunto para otimizar sistemas de cultivo inteligentes, economizando água, recursos naturais e químicos.
Por meio de câmeras multiespectrais de celular, a empresa vê o que está se passando dentro das plantas. A ideia é que o produtor possa antecipar a identificação de doenças e diminuir seu tempo de resposta, aumentando a eficiência dos tratamentos e a produtividade em geral.
A Internet das Coisas (IoT) sustenta modelos de transformação digital promissores para o agronegócio (Foto: Mohamed Wasim Akram)
Por meio de dispositivos conectados (e sem fio) é possível criar uma infinidade de soluções que façam a comunicação entre objetos e humanos, usando sensores inteligentes e softwares que transmitem informações para a rede. Alguns exemplos muito conhecidos são os smartwatches (relógios inteligentes) que se conectam aos smartphones para disparar alertas de mensagens, e-mails ou para exibir dados de batimento cardíaco. Dentro de casa, a tecnologia também cria smart homes, com geladeiras inteligentes, sistemas de compra automática, televisão e iluminação conectados ao smartphone.
No agronegócio, destaco usos associados primeiro à telemetria (para monitoramento de tratores e outros maquinários a distância, que informam sua localização, consumo de combustível e quantidade de insumos aplicada. O objetivo é qualificar a tomada de decisão e antever problemas para fazer, por exemplo, manutenções preditivas). O IoT também conversa muito bem com soluções de meteorologia (com sensores medindo radiação solar, umidade do solo, disponibilidade hídrica etc). Outras aplicações se dão no monitoramento de animais (usando brincos eletrônicos).
No metaverso é possível fazer simulações e treinamentos, gerar experiências educativas e de entretenimento (Imagem: Canva/Mikhail Nilov/Pexels)
Por último, mas não menos importante, o “metaverso”. A terminologia designa o universo virtual e 3D em que as pessoas interagem entre si representadas por avatares. Depois da criação da holding Meta, que tem no seu chapéu o Facebook, esse conceito se popularizou no mercado. Mas, muito antes, os videogames já antecipavam a tendência, produzindo experiências no ambiente virtual a partir do uso de óculos 3D.
Engenheiro agrônomo e almejante a jogador de futebol, que treinou no XV de Piracicaba, Fernando Godoy é um dos nomes de destaque no segmento no país. Em 2012, ele fundou a Flex Interativa, empresa de soluções imersivas, que em 2021 redirecionou seu foco para criar o primeiro metaverso 100% brasileiro com soluções para educação.
No Flex Universe, a gamificação somada a videoconferências são ferramentas para promover o aprendizado. Para usar a tecnologia da Flex Interativa, não é necessário ter óculos de realidade virtual, só um celular. No futuro, segundo entrevista que Godoy concedeu ao Projeto Draft, o metaverso brasileiro deve chegar ainda aos computadores tradicionais.
Seguindo a linha de usar o metaverso para fomentar a educação, os usos no agro são múltiplos, incluindo treinamentos para aplicação de defensivos, simulação de operação de máquinas agrícolas, prestação de assistência técnica e extensão rural.
Pelo menos no mundo em que os gamers constroem suas próprias fazendas, como o Farming Simulator 22, algumas experiências se tornaram realidade. No jogo da suíça Giants Software, o agricultor virtual fica exposto às adversidades do clima, ao ataque de pragas e doenças e aprende a fazer seu planejamento de safra. São mais de 400 máquinas e ferramentas criadas por 100 marcas que existem no mundo real, como John Deere, Massey Ferguson, New Holland, Valtra, Fendt, gerando imersões no mundo virtual.
Renato Seraphim, 50 anos, é engenheiro agrônomo graduado pela Unesp de Jaboticabal (SP) e pós graduado em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No agronegócio, fez especializações junto ao Programa de Estudos dos Sistemas Agroindustriais (Pensa-USP), à Fundação Dom Cabral (FDC), Insead Business School e Perdue University. Com 25 anos de experiência no setor, tem passagem por empresas de defensivos agrícolas e biotecnologia.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem necessariamente a visão do Agtech Innovation News.